Não há quem não ame (ao menos um pouquinho) Pedro Almodóvar. Com suas cores características e temáticas que rondam o feminino na sociedade, o diretor espanhol se firmou na cena internacional do cinema sem perder as raízes de sua cultura. Nada de diferente com Mães Paralelas, disponível nos cinemas e, agora, na Netflix. Janis (Penélope Cruz) é uma fotógrafa bem-sucedida que se envolve com Arturo (Israel Elejalde), arqueólogo forense que topa ajudá-la a investigar a morte silenciosa de familiares durante a Guerra Civil Espanhola.
Os dois se conhecem no set de fotografia e desenvolvem, num primeiro momento, uma amizade. Depois um afeto e, deste romance esporádico, uma gravidez. Da cortina branca balançando ao vento no hospital, vemos Janis dividir o quarto com a jovem Ana (Milena Smit). Enquanto uma, mais madura e estável na vida, deseja o bebê, a outra se mostra insegura com a gravidez na adolescência e tudo o que ela representa e viria a representar em sua vida. Entre respirações profundas e aventais, elas compartilham as dores e as realidades da maternidade.
A conexão se firma para além da sala de parto. Ficam amigas, falam sobre as bebês, seguem a vida. Uma história muito fácil caso fosse outro diretor. Mas, como se trata de Almodóvar, nada nunca para na primeira estrofe – e, olha, as viradas dramáticas são muitas. É a mãe de Ana que finalmente consegue a chance de virar uma atriz de teatro famosa bem no momento em que sua filha precisa de ajuda com a bebê recém-nascida. É Arturo que não lida muito bem com a independência de Janis. É Janis e Ana que desenrolam uma conexão ainda mais profunda.
No quesito estético, Almodóvar mistura as iconografias que fizeram Alfred Hitchcock eternizar sua marca no cinema com as de novelas latinas: ora cômico, ora previsível, o conjunto de direção, fotografia, arte e música cria um suspense em torno da maternidade. As mães paralelas então se cruzam, se enroscam, se largam só para poderem se enlaçar de novo, ressignificando um tanto.
O espanhol traz para a discussão maternidade biológica, mães de criação, amores maternos diferentes, realidades opostas, experiências de vida que tornam o “ser mãe” algo único para cada mulher. Também fala (é claro) de traições, violência, responsabilidade afetiva, sexualidade e independência feminina.
Seria incrível, não fosse a escolha de colocar a política estatal como uma segunda história, reduzindo vários desses assuntos a uma cena dispersa e sem profundidade. A militância do pôster com o seio saindo leite – que viralizou nas redes sociais – na verdade, vira uma militância de outra ordem. E quem perde, mais uma vez, são as mulheres, as mães, as filhas. Uma pena Mães Paralelas se propor a ser uma coisa grandiosa para a representação dos dilemas maternos no cinema, e acabar sufocando isso com a terra de um outro passado que, sim, deve ser discutido – só não pode virar justificativa para a falta de cuidado no tratamento de certas temáticas.