Foi em 23 de junho de 1993, na cidade de Manassas, nos Estados Unidos, que Lorena Bobbitt, 24 anos, tomou a decisão que mudaria sua vida para sempre. Com uma faca de 30 centímetros, foi até o quarto, levantou o lençol sob o qual John Wayne Bobbitt, 26 anos, dormia, e cortou fora o pênis dele, com quem era casada havia quatro anos.
Com uma mão no volante e a outra segurando o pênis ensanguentado, Lorena tentava fugir. Para poder dirigir melhor, atirou o membro pela janela, e seguiu até o salão de beleza onde trabalhava como manicure.
Depois dessa noite, Lorena virou manchete em todo o mundo. Enquanto a imprensa estava preocupada em falar sobre a cirurgia que restaurou o pênis de John, e acompanhava a trajetória dele como ator pornô (sim!), a questão da violência doméstica contra ela nunca foi central.
Agora, 26 anos depois, a história dela – não mais Bobbitt, mas Lorena Gallo – será contada mais uma vez, em uma série documental de 4 episódios produzida por Jordan Peele (“Corra!”; “Infiltrado na Klan”; “Nós”) e dirigida por Joshua Rofé. A série estreia na sexta (15) na plataforma Amazon Prime Vídeo.
Foi Rofé quem procurou Lorena, com a ideia de contar a história dela, mas dessa vez focando nos abusos sofridos e que culminaram na castração do marido.
A história de Lorena e John Bobbitt
Nascida no Equador e criada na Venezuela, Lorena realizou em 1987 o sonho que tinha de se mudar para os Estados Unidos. Com um visto de estudante, aos 18 anos ela se matriculou em uma faculdade e foi morar na Virgínia. Lá, estudava e trabalhava em um salão de beleza.
Quando conheceu John, ele era um soldado da Marinha norte-americana. Ela conta ter se apaixonado pelo homem no uniforme, lindo e de olhos azuis. Em 1989, quando John tinha 22 anos, e Lorena 20, eles se casaram.
Não demorou muito para Lorena descobrir que de sonho havia pouco no casamento dela. Ela afirma que John batia nela, a estuprava e a ameaçava de deportação. Eles brigavam muito, e chegaram e se separar, mas depois se reconciliaram.
Na noite de 23 de junho de 1993, John voltou para casa depois de uma noite bebendo com um amigo. De acordo com Lorena, John a estuprou mais uma vez naquela noite. Quando ela foi à cozinha, viu uma faca. Segundo ela, a ideia não era ensinar uma lição ao marido, mas sim uma questão de sobrevivência: ela não suportava mais viver daquele jeito.
Tanto John quanto Lorena foram a júri popular após o ocorrido. Ele foi absolvido das acusações de violência sexual. Ela foi absolvida das acusações de ferimento intencional devido à insanidade temporária. Mas o fato é que, após o julgamento, em 1994 John foi preso por bater em Kristina Elliott, uma ex-stripper de 21 anos, e em 2003 e 2004 por bater na então esposa Joanna Ferrell.
Lorena, por sua vez, fugiu dos holofotes, e voltou a trabalhar como manicure. Na faculdade, conheceu David Bellinger, que depois se tornou seu marido. Juntos eles tiveram uma filha, Olivia, que hoje tem 14 anos. Deu algumas entrevistas pontuais, como à Oprah Winfrey, em 2009 e a Steve Harvey, em 2015. Em 2007 fundou uma organização de apoio a mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, chamada Lorena’s Red Wagon.
Com uma vida tranquila, por que voltar a falar sobre o caso ocorrido há 26 anos? Lorena disse em entrevista ao The New York Times que com o tempo percebeu que muitas mulheres eram vítimas de abuso e violência doméstica. E que, como tantas outras mulheres na época, foi vitimada também pela mídia.
Em 2019, o clima parece mais favorável para as mulheres do que era nos anos 1990. E, depois de ter virado piada por tantos anos, ela acreditou que valia a pena colocar luz nessa história novamente – com o objetivo de enfrentar o problema da violência contra a mulher.