10 livros imperdíveis sobre vivência lésbica (escritos por lésbicas!)
De poesia a romance, passando pelos contos, conheça ótimos títulos que falam sobre mulheres que amam mulheres
A literatura faz a gente aprender mais sobre o que conhecemos pouco e isso não tem preço, mas ela também tem o poder de nos envolver num abraço apertado quando as palavras impressas num livro falam sobre vivências e sentimentos parecidos com os nossos. “Se a gente se emociona e busca até algum consolo pras nossas próprias perdas lendo histórias hétero, imagina o efeito de uma história sapatão na gente”, comenta Cecília Floresta, escritora e pesquisadora na área das Letras, há mais de três anos se dedica a fazer um levantamento da literatura com temática lésbica. Nesse caso, ela fala sobre o romance “Como esquecer: anotações quase inglesas”, de Myriam Campello.
Pedimos à Cecília e também à escritora Natalia Borges Polesso para indicarem livros que giram em torno do universo de mulheres que amam mulheres. Natalia é, inclusive, autora de um dos livros indicados por Cecília. Inteiramente dedicado a breves histórias sobre lésbicas de todos os tipos, a obra chama-se “Amora” e venceu o prêmio Jabuti em 2016, na categoria Contos.
Para além da narrativa lésbica, tanto Natalia quanto Cecília acreditam que também é importante voltar o olhar para os livros escritos por autoras lésbicas. “Não se pode pensar apenas em temática lésbica, temos que pensar em autoria, em o que sentimos vontade ou temos necessidade de dizer, a partir de nossas experiências no mundo”, defende Natalia. Confira aqui quais são os títulos – e as autoras – que elas sugerem.
Cinco livros indicados por Cecília Floresta:
“Um útero é do tamanho de um punho”, de Angélica Freitas (Companhia das Letras)
“É um livro essencial pra mim, porque foi o primeiro livro de poesias fancha que caiu nas minhas mãos. Foi a partir dele que eu comecei a pesquisar mais a fundo a literatura brasileira contemporânea com temática lésbica e a traçar os próprios caminhos das lesbianidades na minha escrita. Na poesia da Freitas, a gente encontra inúmeras frestas pra universos que fogem à heteronorma. Também são tratadas, de forma leve e muito bem-humorada, questões relativas às lesbianidades. Indico a leitura do artigo “Como age, pensa e o que é uma mulher?”, de autoria da Adelaide Ivánova, também poeta & brasileira, em que ela procura tratar ‘Um útero’ como o livro sapatão que é, colhendo relatos de outras escritoras sapatões. Isso porque, quando do lançamento dele pela Cosac, há uns anos atrás, o livro acabou sendo tratado apenas sob um viés feminista, apagando bastante as facetas lesbianas dele.”
“Lundu”, de Tatiana Nascimento (Padê Editorial)
“Outro livrão de poesia fancha e que me abriu caminhos igualmente. Mas, além das lesbianidades, a Tati vem questionar as maneiras heteronormativas de se relacionar, a heteronorma e inclusive as fontes de nossas narrativas, de nossas histórias, trazendo elementos da cultura iorubá muito bem marcados. Também presentes estão questões a respeito de negritude, desigualdades, periferias. Aqui é massa destacar a Padê Editorial em si. Idealizada e tocada pela Tati Nascimento e pela Bárbara Esmenia, a Padê publica escritoras dissidentes, sapatões, negras & periféricas.”
“Tribadismo: mas não só – 13 poemas a la fancha + 17 gritos de abya yala”, de Bárbara Esmenia (Padê Editorial)
“A poesia da Bárbara tem uma força incrível e toca em temas como visibilidade lésbica e apagamento histórico e literário das fanchas.”
“Amora”, de Natália Borges Polesso (Não Editora)
“Descobri ‘Amora’ por acaso, numa dessas livrarias de grande porte onde quase nunca estou. Me interessei pela óbvia gíria fancha na capa (“amora”) e foi com enorme & feliz surpresa que li a contracapa, descobrindo que ali moravam histórias de sapatões. E apenas. Eu nunca tinha visto um livro composto só de histórias fanchas (vim a descobrir outros mais tarde) e daí me senti menos sozinha. A Natália tem uma narrativa leve, sensível e poética e nos apresenta esses universos por onde a gente sempre caminha mas que não vemos retratados na literatura. Importante frisar: ganhou o prêmio Jabuti em 2016, na categoria Contos. Imagina a alegria quando um livro com temática fancha ganhou o prêmio literário mais tradicional do Brasil. Indico o artigo “Eu escritora, eu lésbica”, da própria autora, em que ela fala um pouco a respeito de escrita, lesbianidades e escrita com temática lésbica.”
“Cada tridente em seu lugar e outras crônicas”, de Cidinha da Silva (Mazza Edições)
“Quando a gente fala de lesbianidades e de negritude, a Cidinha é o primeiro nome que me vem na cabeça. São temas-chave das crônicas dela, que têm muita força e provocam o senso comum justamente pela simplicidade carregada de intenções. Pelos olhos de Cidinha, nós somos convidadas a ver o mundo de outras formas.”
“Como esquecer: anotações quase inglesas”, de Myriam Campello (7 letras)
“E aqui um romance. Sabe aquele filme de mesmo título em que a Ana Paula Arósio interpreta uma fancha que terminou um relacionamento? Pois. O filme foi inspirado nesse livro. A Campello escreveu um romance genial, com uma linguagem ligeira mas ao mesmo tempo bem rebuscada e repleta de referências literárias. Um romance genial sobre a dor da perda. E justamente por isso o livro me marcou tanto, porque a gente lê tantas histórias por aí sobre perdas e nunca mas nunca nos deparamos com uma sapatão vivendo (e muito) a dor que é viver um grande amor e perdê-lo. E se a gente se emociona e busca até algum consolo pras nossas próprias perdas lendo histórias hétero, imagina o efeito de uma história sapatão na gente.”
E cinco livros indicados por Natalia Borges Polesso:
“O homem azul do deserto”, de Cidinha da Silva (Malê Edições)
“Cidinha tem diversos livros de crônicas (entre outros gêneros), é uma autora das mais publicadas hoje, e com certeza deveria ser mais lida. ‘O homem azul do deserto’ é seu livro mais recente. Indico porque essa mulher pensa o pequeno e pensa o grande do mundo, com a mesma preocupação. Tem sempre bala na agulha, e não é pouca. O que mais me atrai nos escritos de Cidinha, em geral, e em nossas conversas também, é a capacidade que ela tem de transitar entre a crítica teórica, científica e conceitual, e a espiritualidade e os saberes ancestrais.”
“Carta a uma paixão simples”, de Dara Bandeira (Macabéa Edições)
“Sempre com uma epígrafe musical que dá o tom, em suas crônicas, Dara Bandeira explora modos de relatar o amor. Ela abraça e agradece, cai e dá a volta por cima, reconhece as importâncias e desimportâncias dos afetos e a gente embarca junto, sente junto, faz votos e listas do que faltou e do que não pode mais faltar, como esta leitura.”
“Crônicas ordinárias”, de Fernanda Vieira (Macabéa Edições)
“Esta é uma paixão nova! Matéria-poesia, força motriz que vem sabe-se lá de onde e te arrasta junto pelas imagens do quotidiano. Gosto muito do jeito que Fernanda escreve, forjado nas lutas sociais e pessoais, explosiva em consciência. Fernanda das palavras facas, mas das palavras sumarentas também, que escorrem. Fernanda não cabe mesmo num currículo, como bem diz em um de seus textos. Aqui fica este vulto banal, essa pequena indicação.”
“Mugido”, de Marília Floôr Kosby (Garupa)
“As imagens mais impressionantes que alguns versos já me fizeram construir. Pensar-se no mundo como mulher, como animal. Entender nossa ligação com um mundo para além das convenções, para além das cordialidades. Esse livro te dá uma rasteira, te faz sentir o gosto do chão. Poesia xucra, como diz a autora.”
“Tudo nela brilha e queima: poemas de luta e amor”, de Ryane Leão (Planeta)
“O título explica muita coisa já, vou deixar aqui apenas um dos poemas:
‘meu recado às mulheres
contem
suas histórias
descubram o poder
de milhões de vozes
que foram caladas
por séculos'”.