Tem uma coisa inexplicável na experiência de ler Anne Carson. Assim como no seu também ótimo Autobiografia do Vermelho, em Eros: o Doce-Amargo (Bazar do Tempo), ela transforma seu livro num satélite que rodeia diversos outros assuntos, fazendo nós, leitores, pesquisarmos mais e mais.
Nesta obra recém-lançada, ela disseca a presença do amor e do desejo na sociedade, das histórias gregas aos dias atuais, a partir da literatura e da psicanálise, assim como da filosofia e da sociologia. Tudo para tentar desvendar (ou desvelar) o que seria o entendimento do afeto ao longo dos anos, misturando gêneros literários — coisa que me fascina, ainda mais sabendo que esta foi sua tese de doutorado.
Pontuo especificamente a Grécia, porque Anne é tradutora dessa língua antiga e nos coloca propostas de entendimento muito complexas quando a aproxima do inglês (ela é canadense). A tradução de Julia Raiz deixa a experiência ainda mais instigante por contextualizar tudo isso no português também.
A costura da temática densa e cheia de ramificações só seria possível por conta da paixão da autora pelos temas que a rodeiam, e isso deixa a leitura extremamente prazerosa e complexa — outra metafísica divertida criada a partir do centro da narrativa (“como pessoa que lê, você também está sendo cortejada”, escreve ela).
Tal qual o subtítulo, ele nos indica uma dualidade de sentidos: ao ler Eros: o Doce-Amargo temos os momentos de total entrega e confiança nas palavras, e outros de segurar o ar no peito por alguns instantes esperando seu conteúdo denso encontrar espaços de conforto nas entranhas do corpo. Brilhante!