Juliana Paes está vivendo seu melhor momento: descobriu a terapia como meio de autoconhecimento, a natureza como fonte de inspiração e o trabalho como forma de conscientizar o público para questões que considera importantes para si.
A fama de sorridente faz jus à atriz, que mesmo após horas viajando do Rio de Janeiro a Mairiporã, interior de São Paulo, encontrou nossa equipe com muito carisma e bom humor — com direito a causos de vida na hora do cafezinho com bolo.
No dia 5 de julho, ela estreia como protagonista da primeira novela da Netflix, Pedaço de Mim. Com 17 episódios, a narrativa conta a história de Liana, uma mulher que deseja ser mãe, mas se vê perdida quando seu sonho se transforma em um dilema moral.
Após ser vítima de um estupro, ela recebe o raríssimo diagnóstico de superfecundação heteroparental. Ou seja, está grávida de gêmeos de diferentes pais — um bebê do marido e outro do estuprador, bem à moda dos melhores dramalhões televisivos.
À CLAUDIA, a estrela conta que quer mostrar um outro lado seu. “Depois dos 40, passei a sentir uma sensação de pertencimento. Já vivi fases boas e ruins e conquistei meu espaço no mundo, não preciso mais provar meu valor a ninguém. É um lugar bom de se estar, não tenho como mais ficar andando nas nuvens.”
O caminho para a sensação de conforto, porém, não foi tão fácil. Durante a pandemia, Juliana passou a ter crises de ansiedade e duvidar de si mesma.
A análise veio não só para curar os sintomas, mas também para fazer com que ela entendesse seus ideais, objetivos e até a criação machista que recebeu – também característica de sua personagem. “Acabei me tornando uma pessoa que queria agradar a todos e não sabia dizer não.”
É por isso que, hoje, aprender sobre feminismo é uma de suas prioridades. Para ela, o tema exige escuta atenta e responsabilidade. “A maternidade me fez querer saber mais para ter ferramentas educativas. Ou seja, também estou passando por um letramento e estou aberta para ouvir”, declara.
Nesta conversa, Juliana Paes reflete sua trajetória, saúde mental e produções para o streaming de forma aberta e sincera.
Como você encontrou segurança em si mesma?
Isso vem com a maturidade. Ela traz uma sensação de pertencimento, porque já se viveu muitas coisas — fases boas e ruins. Com ela, vem a certeza de que a fama e o sucesso são legais, mas o que te completa mesmo é o básico da vida, o essencial. Essa coisa do pé no chão é uma certeza que conquistei com os anos de trabalho. Mas não foi fácil chegar nesse lugar, passei por muita ansiedade. Já me senti perdida e duvidei da minha própria identidade.
Você acredita que vivemos numa época em que as pessoas conseguem falar mais sobre os momentos difíceis?
Sim! Atualmente debatemos mais sobre saúde mental e isso é produtivo. Uns anos atrás vi algumas pessoas falando sobre isso e eu, no alto da minha ignorância, achava que era besteira. Não tinha conhecimento para entender o que era depressão e ansiedade. Hoje é bom poder dizer que vivi crises absurdas que começaram durante a pandemia. Achei que nunca mais ia conseguir sentir o peso do meu corpo na cama. Sei que cada pessoa sente os sintomas de forma diferente, mas eu não conseguia relaxar. Era difícil me mexer, sentir meu peso e, ao mesmo tempo, não conseguia explicar para o meu companheiro o que estava acontecendo. A resposta geralmente é “fica calma”. Mas eu não estava nervosa. A palavra ansiedade não dá conta de explicar o que se vive em uma crise.
Falar sobre isso é um caminho para que outras pessoas não se sintam sozinhas?
Exato! E procurar ajuda. Demorei a procurar ajuda porque foi difícil identificar o que estava acontecendo. Também tinha um certo preconceito com o medicamento. Até que alguém me disse: “Se quando estamos com alguma dor, tomamos remédio, por que não buscar uma solução para esse desequilíbrio químico?”. Busquei um psiquiatra e passei a fazer terapia. Sou de uma geração que não sei como estamos vivos — a gente discava num telefone de rodar! De repente, nos vemos imersos em redes sociais onde todo mundo está disposto a falar qualquer coisa sobre você. Qualquer tropeço, engano ou mal-entendido vira sua vida de cabeça para baixo.
Na terapia você descobriu algo sobre si mesma que não sabia?
No fundo, sempre sabemos. Mas na terapia conseguimos organizar os sentimentos. A partir daí, vem a mudança. Ou pelo menos um projeto dela. Esse processo me fez perceber que tive uma criação que me tornou uma mulher que quer agradar a todo custo, que não sabe dizer não. Aí veio a questão: sempre fiz coisas porque queria ou fiz para agradar? Estou trabalhando nisso e tem sido ótimo.
Você tem algum ritual de bem-estar que não vive sem?
A respiração consciente. Já fiz cursos de ioga e meditação, e uma das lições que ficaram é que não precisamos parar 50 minutos do dia e fazer mudras. Podemos respirar conscientemente durante dois minutos e nos sentir bem. Às vezes, me tranco no banheiro, faço isso e saio com a mente clareada. Também gosto de ficar descalça, é o tal do grounding [técnica que consiste no contato do corpo com a superfície terrestre]. Descobri que existe uma ciência por trás disso, mas sempre me fez bem — por isso que amo ir à praia e andar na grama. O contato com a natureza também é importante. Ela não te premia e não te castiga. Também mostra a impermanência da vida, é um reflexo de nós. Se você está vivendo algo incrível, vai passar. Mas se você está na merda, vai passar também. Pensar nisso me traz paz.
Na série, Liana aparenta ser coadjuvante da própria vida. No começo, vemos uma mulher resignada e passiva. Como você analisa a personagem?
A história é construída com pitadas interessantes. Mesmo que o plot inicial seja a superfecundação heteropaternal, o foco vai, inevitavelmente, para a situação da mulher na sociedade. A série trata de quantas concessões uma mulher faz para atender expectativas que às vezes nem sabe se são dela — como o desejo de engravidar e de construir uma família, como se fosse uma etapa inevitável da vida. Uma das coisas que mais mexe comigo é a solidão de Liana. Se ela fala com a mãe, não há conversa. A amiga não a ampara. O marido causa mais violência. Entendi como isso a paralisa conforme fui vivendo as cenas. Em situações de abuso, a ficha demora a cair — principalmente tempos atrás, quando não se falava tanto sobre esse assunto. A mulher foi ensinada a se responsabilizar, o que é cruel. Liana sabe que alguma coisa errada aconteceu, mas não tem a consciência da violência. Por isso, a rede de apoio precisa ter uma escuta ativa. Na primeira faísca de dúvida, o movimento da vítima é recuar.
A maioria das cenas são tensas e fortes. Você somatizou em algum momento?
Fiquei mais exausta, mesmo estando acostumada com um ritmo de gravação intenso. Liana tem componentes na história que também são parte da minha vida, como o casamento, os filhos e o medo do que as pessoas vão dizer. Viver a personagem também diminuiu a minha libido. Lembro que conversei com meu marido sobre isso e precisei terminar as gravações para me regular novamente. Nunca sofri violência sexual, mas pude vislumbrar a dor e o esfacelamento espiritual que isso traz.
Você se considera uma feminista?
Sim, mas nem sempre foi desse jeito. De uns tempos para cá o termo ganhou o entendimento das pessoas e é bonito ver isso acontecendo. Acho que todas as mulheres são feministas, mesmo as que não sabem. Entendi isso principalmente com a chegada dos meus filhos, que são meninos. A maternidade me fez querer saber mais para ter ferramentas educativas. Ou seja, também estou passando por um letramento e muito aberta para ouvir.
Muito tem se falado sobre a aceitação do próprio corpo. Como é essa relação para você?
Sempre tive uma relação bacana com o meu corpo. Na novela Celebridades, precisei mostrar os seios no primeiro capítulo, tinha vinte e poucos anos. Na época, a ideia vinha de um lugar de que era fácil me rotular no sentido de pensarem: “Ela é bonita, mas vamos ver do que ela é capaz”. Eu tinha medo de estar ali. Até que conversei com Gilberto Braga, o autor, e contei que estava apavorada, mas que precisava dessa oportunidade. Lembro que ele falou: “Juliana, se você vai fazer uma gostosa, faça uma gostosa bem feita”. Essa frase foi uma virada de chave, percebi que meu valor está no meu trabalho e o meu corpo é ferramenta dele. É claro que hoje questiono quando acho que a nudez é gratuita, também acho que há fases em que queremos mostrar mais ou menos. Tenho respeitado meus desejos, é libertador.
Até um tempo atrás envelhecer era um tabu. Hoje, as mulheres estão de bem com a idade. Você se sente dessa forma?
Estou gostando mais dos meus pensamentos, da minha cabeça, do meu olhar para a vida. Sou mais acolhedora e tenho menos preconceitos. A parte física não é tão fácil assim. Ainda tenho um longo caminho para percorrer ao me olhar no espelho. Até porque nem sempre me achei linda. O “envelhecer” aconteceu em um belo dia. Simplesmente me olhei no espelho e vi que tinha um bigode chinês, que estava com uma olheira profunda e que tinha algumas marcas na pele. Foi assim, em um relance. Há dias que lido numa boa, mas outros que preciso ser puxada por aquelas que estão tirando de letra. É possível que daqui a pouco, talvez, não pinte mais meus cabelinhos brancos.
E você é casada há quase dezesseis anos e renovou os votos recentemente. Como foi esse dia?
Isso foi uma confusão! Tudo começou com uma brincadeira. Eu, meus amigos e meu marido estávamos em um sítio e, coincidentemente, era nosso aniversário de casamento. Estava no churrasco, de biquíni, e minhas amigas me puxaram rapidamente para colocar um vestido branco por cima e ir para uma capelinha que havia no espaço. Apesar das críticas, foi um momento muito especial, porque meu pai apareceu lá. E, como perdi meu pai no começo do ano, essa se tornou uma memória maravilhosa. Estava feliz de coração.
Como você e seu marido mantêm o romance todo esse tempo?
É briga pra caramba! A verdade é essa. Eu e Dudu somos pessoas muito diferentes. Antes achava que isso era um problema. Aí percebi que, na verdade, está tudo bem. As discussões são nada mais do que repactuar nossa relação. A gente vai se desenvolvendo de formas diferentes — ele amadureceu de um jeito e eu de outro. O que me ajuda nesse processo é sempre dizer como me senti e não o que ele fez. É claro que dá mais trabalho porque é preciso pensar um pouco mais na hora de falar ou responder. Mas é um exercício que vale a pena praticar em todas as relações.
Texto: Beatriz Lourenço
Fotos: Raquel Espírito Santo
Styling: Renata Brosina
Beleza: Camila Anac
Direção de arte: Kareen Sayuri
Locação: Unique Garden