Não se levar tão a sério é uma característica difícil de ser encontrada em espaços que exigem rigidez, como é o caso de uma cozinha de alta gastronomia ou dos bastidores da moda. Ainda assim, é com extrema leveza que Helena Rizzo encara a vida e as tarefas plurais da sua rotina — que vão desde comandar um restaurante com uma estrela Michelin, o Maní, em São Paulo, até os desafios da maternidade.
Vestindo uma camiseta do Nirvana, shorts jeans e tênis de oncinha, a chef chegou discreta para encarar as câmeras da dupla Takeuchiss, fotógrafas escolhidas para este editorial de capa de CLAUDIA.
Mas bastou um make elaborado e algumas perucas para Helena mostrar porque é reconhecida por sua autenticidade.
Muitas vezes se definindo como tímida, a chef, na verdade, não faz rodeios quando se sente em seu habitat. Enquanto fazia caretas e se divertia com o figurino um tanto surrealista, fazendo toda a equipe cair em gargalhadas, foi perceptível: a gaúcha se sentia ali, em encontro com as lentes, confortável para ser quem é.
“Hoje é mais divertido, consigo aproveitar mais e me divertir, brincar de ser outra, me montar… Senti muita diferença com a equipe, toda feminina e em sintonia. Cada uma com o seu olhar”, conta, satisfeita com a experiência.
O lado modelo de Helena Rizzo
Quando enfatiza o momento presente, Helena faz referência ao tempo em que atuou como modelo, aos 16 anos. Foram apenas três anos nesse papel, porém intensos o suficiente para marcar não só a sua própria trajetória, mas a memória de muita gente.
“Durante muito tempo, me cobrava e me julgava. Agora, olho para tudo com mais humor e gratidão.”
Helena Rizzo
“Ser modelo foi um momento determinante para minha independência, mas era muito moleca e insegura, muito mais do que eu sou hoje [risos]. Porque a gente nunca é 100%. Mas naquela época eu me sentia deslocada e não pertencente. Depois, durante muito tempo, nessa transição de modelo para a cozinha, era algo que me dava uma ‘vergoinha’, tinha esse estigma de ‘chef modelo’. Hoje falo que fui mesmo, mas, durante muito tempo, me cobrava e me julgava. Agora, olho para tudo com mais humor e gratidão.”
A passagem do universo da moda para a gastronomia foi orgânica. O trabalho como modelo despertou chances importantes e foi crucial para sua liberdade numa idade ainda precoce.
Contudo, a chef sempre viu essa oportunidade como uma passagem para fazer o que realmente a completava.
O primeiro passo dessa transformação foi a mudança de Porto Alegre para São Paulo, realizada por conta dos trabalhos como manequim. Assim que vislumbrou a primeira brecha, correu para dentro de uma cozinha profissional, ávida por absorver tudo o que podia.
A jovem Helena Rizzo já sabia de cor todos os nomes de chefs renomados da capital paulista, e era a responsável pela execução das receitas quando recebia os amigos.
Inspirada pela habilidade dos pais na cozinha, adorava preparar pratos novos, reinventar sabores, caprichar no mise en place e provar novidades.
Em paralelo ao seu contrato com a agência Ford Models, conseguiu um trabalho como garçonete para a banqueteira Neka Menna Barreto e, em seguida, estagiou em locais disputados, como os restaurantes Roanne, de Emmanuel Bassoleil, e Gero, do Grupo Fasano.
No Na Mata Café, extinto restaurante com noites badaladas, cheias de modelos, foi onde a chef liderou sua primeira equipe. O desafio, então, era lidar com a fusão dos dois universos presentes em sua vida.
“Me abriu muitas portas, inclusive para a cozinha. Por outro lado, tem aquela coisa do ‘ela não deve manjar muito’; ‘é mais um rostinho bonitinho fazendo pose’ ou ‘ah, a chef modelo’. Esse tipo de zoação”, reforça, imitando o tom de ironia. “É aquela coisa de que tu tá num lugar e não pode ter multiplicidade.”
O episódio com Alex Atala e o machismo na cozinha
Em agosto deste ano, o chef Alex Atala fez um comentário que exemplifica bem esse cenário descrito por Helena. O caso aconteceu durante uma participação do premiado cozinheiro no reality show MasterChef Brasil, da Band, no qual ela é jurada ao lado de Erick Jacquin e Rodrigo Oliveira, que substituía Henrique Fogaça no episódio.
Em seu discurso, Atala pontuou as qualidades profissionais de Jacquin e Rodrigo, e destacou apenas a beleza da colega. A fala tocou em dores antigas da chef, e não passou despercebido ao público, principalmente nas redes sociais.
“Precisamos olhar para essas feridas, porque eu já engoli muito sapo, e machuca.”
Helena Rizzo
Na ocasião, Atala se retratou por meio de um vídeo e disse ter sido “infeliz” e que “a importância da Helena para a culinária brasileira é gigante e não está, nem de longe, ligada à sua beleza”.
A chef também reagiu à situação. Ainda que se considere por vezes impulsiva na forma com que lida com as redes sociais, não tem medo de se posicionar e usar sua influência para colocar às claras suas convicções políticas e visões de mundo.
Como resposta, enfatizou as incontáveis vezes que, segundo ela, enfrentou misoginia e machismo no ambiente de trabalho, além das diversas vezes que se sentiu incomodada e que o melhor que podia fazer era “dar aquele sorrisinho constrangedor com o canto da boca e seguir em frente”, conforme escreveu numa publicação, logo após o ocorrido.
“Ele tocou numa ferida. É muito diferente eu encontrar o Alex num jantar e ele falar: ‘nossa, como você está linda’, do que estarmos num ambiente profissional. Eu fiquei extremamente incomodada e sem graça na hora. Enquanto ele falava, estava pensando no que iria falar sobre ele, porque ele é um cara que tem uma representatividade, acho ele incrível, e eu esperava mais, fiquei chateada. Fiquei com tanta vergonha que pedi para cortarem essa parte, mas enfim… Não acho que ele fez por mal, acho que é algo intrínseco do machismo, mas como foi a público, achei importante me manifestar. Precisamos olhar para essas feridas, porque eu já engoli muito sapo, e machuca.”
Por anos, o reflexo dessas falas afetou Helena de diversas formas. Com medo dos julgamentos, a chef foi se distanciando cada vez mais desse espaço da moda: “Durante um bom tempo, abri mão de me arrumar. Estava sempre de ‘cara lavada’, nem protetor solar eu passava quando ia para a cozinha”.
Essa questão a fez se lembrar de um episódio recente, de quando foi num encontro de mulheres de áreas diversas. Uma delas, também cozinheira, indagou se Helena achava que ficou mais masculina por causa da profissão.
“Eu nunca tinha pensado nisso. Eu tive uma adolescência extremamente ‘patricinha’. Na minha família, sempre teve essa coisa de falarem: ‘bota um batonzinho’. Eu abri mão disso, esqueci dessa parte e foquei muito na cozinha. Me achava bonita, mas me descuidei”, a chef fala principalmente de 2014, ano simbólico para ela.
“Lembro de falar que não existia melhor do mundo. Hoje consigo me apropriar dos méritos. Mas é um prêmio um pouco alegórico: ‘melhor chef mulher’”
Helena Rizzo
Nessa época, Helena foi eleita a melhor chef mulher do mundo, título dado pela revista inglesa The Restaurant.
“Lembro de falar que não existia melhor do mundo, que ganhei os louros, mas tinha uma equipe que fazia tudo ser como é. Hoje consigo me apropriar dos méritos. Mas é um prêmio que está num lugar ainda um pouco alegórico: melhor chef ‘mulher’. Você tem um 50 Best cheio de restaurantes com homens, e daí tem um prêmio para uma chef mulher. Não é o mundo ideal, mas me abriu muitas portas”, pontua. “Não me senti representado, porque o Brasil é muito diverso para eu representar algo, mas me senti importante [risos].”
A vida pessoal e profissional de Helena Rizzo
Se aos olhos externos parecia um tempo de glórias, por dentro, Helena passava por uma crise pessoal — que envolvia o divórcio com o chef Daniel Redondo, recentemente falecido, em um acidente de moto.
Parceiro na inauguração do Maní, em 2006, eles não se falavam havia anos, desde a separação, em 2014, mas Helena veio a público prestar sua homenagem: “Dono de um coração gigante e generoso, sem ele o Maní não seria o que é hoje! Talentoso, trabalhador, criativo! Onde quer que você esteja, todo meu amor e gratidão pelas coisas boas que vivemos juntos”.
Para superar as dificuldades, Helena mergulhou de cabeça no trabalho. Pouco depois, casou-se com o músico Bruno Kayapy, em 2015, e teve sua filha, Manoela. Com a chegada de um novo amor e de Manô, hoje com 8 anos, tudo mudou.
“Foi ali que me deu uma mexida. No momento que a gente é mãe, viramos esse olhar sobre precisar se cuidar, em todos os sentidos. Precisava estar bem, presente, me sentir bonita, feliz. E marido novo também ajuda… Ali me vieram alguns questionamentos e mudei bastante a pegada.”
Além de estar o tempo todo se dividindo entre as gravações extenuantes do reality e as demandas dos estabelecimentos (ela ainda comanda o restaurante Manioca, a Casa Manioca e a Padoca do Maní, que vai ganhar mais uma unidade no final deste ano), Helena também tem reservado momentos do seu dia para colocar em prática atividades que estão desvinculadas desse território.
“Eu faço a parte gráfica da Padoca”, revela a chef, mostrando alguns de seus esboços de ilustrações em preto e branco.
“O MasterChef é um pedacinho de mim, hoje eu percebo que me interesso por várias coisas. Gosto muito de trabalhar, mas minha próxima conquista é de tempo. Não tenho mais o pique que tinha, acabo não estando o tempo todo na cozinha. Eu amo as artes, a literatura, tenho muita vontade de escrever um livro, amo mulheres que são escritoras. Acho que a gastronomia está sempre meio atrás das coisas, por estar muito atrelada à materialidade da vida, mas gosto de ler sobre outros movimentos”, reitera Helena. Afinal, por que ser apenas uma coisa quando é possível ser tantas?
EQUIPE DESTE EDITORIAL:
Texto Marina Marques
Fotos Takeuchiss
Styling Yumi Kurita
Beleza Mari Kato
Direção de Arte Kareen Sayuri