Entre seus seis filhos, criados junto do marido numa cidadezinha no interior da Normandia, a americana mórmon Gabrielle Blair está orquestrando uma necessária revolução na forma como encaramos uma gravidez indesejada. Seja no campo progressista ou na esfera conservadora, uma coisa é certa: quando falamos disso, o foco está na mulher. E o papel dos homens? Esse é o debate proposto em Ejaculação Responsável (Editora Sextante), livro-manifesto sobre saúde reprodutiva que entrou na lista dos mais vendidos do The New York Times e é capaz de surpreender até a mente mais aberta com o óbvio: a responsabilidade é de quem ejacula.
CLAUDIA: Quando o livro chegou em casa, meu porteiro ficou me olhando de maneira esquisita. Qual era a ideia por trás desse título forte?
GABRIELLE BLAIR: Queria ser provocativa, que as pessoas olhassem e se perguntassem: “O que é isso?”. Mas escolhi esse título também porque ele é a solução. Se os homens só fizerem essa coisa pequena, de ejacular responsavelmente, isso resolveria muitos problemas e tiraria o fardo dos ombros das mulheres. Não posso falar pelo português, mas em inglês a palavra “ejacular” não é uma muito usada. O termo é mais técnico, usado nos livros de ciência. Precisava disso, é a forma menos sexy de falar sobre sexo.
Como mulher, li o livro o tempo inteiro pensando: “Nossa, é isso”. Acredito que muitas mulheres sintam o mesmo. Mas e os homens, eles estão te lendo?
Nas redes sociais, a maioria do meu público é feminino. Mas sei que o livro é lido muito por homens porque no Twitter eu vejo relatos, homens compartilhando. Estou muito feliz com isso: nenhum homem que leu todo o livro [são 28 argumentos] discordou de mim. Às vezes, se eles veem apenas um argumento, eles vão debater. Mas os que leram concordam que precisam ser mais responsáveis e isso é ótima notícia.
Seja no Brasil, Estados Unidos ou países da Europa, você acredita que os desafios são similares em relação à prevenção de uma gravidez indesejada? Em 2018, eu escrevi uma thread no Twitter e isso eventualmente se expandiu, fiz uma pesquisa e transformei em livro. Eu pensava que estava apenas falando para os americanos, daí entendi que muitos países, em todo o mundo, estão falando sobre aborto, mas também estão muito interessados nessa conversa sobre homens e contracepção. Por que as mulheres têm que fazer todo o trabalho de prevenção? É como se nós ignorássemos os homens. Não importa se num país liberal ou conservador sobre o aborto, a expectativa é sempre que as mulheres façam o trabalho. Essa é uma conversa que precisa acontecer em todos os lugares, dizer: “Hey, isso não está balanceado, algo tem que mudar”.
Por que você decidiu não imprimir sua visão sobre aborto, amplamente divulgada na internet, no livro?
Basicamente, na América, se eu disser que sou religiosa e tenho seis filhos, as pessoas vão assumir que eu sou politicamente conservadora, que eu sou antiaborto. Por isso eu disse: vamos deixar de lado, eu não vou perguntar o que você acha, você não precisa me perguntar. Essa é uma forma diferente de pensar sobre aborto. Se você é antiaborto, esse livro é ótimo, tem muitas ideias para reduzir os abortos. Se você é pro-choice [a favor da escolha da mulher], esse livro é ótimo, porque tem muitas ideias para que não tenhamos que controlar os corpos das mulheres. Se mudarmos nossa conversa para a prevenção, toda a emoção vai embora, todo mundo pode concordar.
É muito revolucionário pensar assim, mas de certa forma, também é bastante óbvio: mulheres estão férteis por 24 horas num mês, os homens são férteis todos os dias. Quando caiu essa ficha para você? Foi engraçado, porque quando pensei pela primeira vez, eu já tinha seis filhos, o mais novo tinha 8 anos. O patriarcado faz parte do nosso mundo, não existe nenhum país que fuja desse sistema, a ponto de não sabermos pensar para além, todos estamos mergulhados nele. Comecei a comparar camisinhas às opções femininas de controle da gravidez. Já havia usado todas as formas de contracepção, testava novas porque não gostava dos efeitos colaterias, tinha que ir ao médico pegar uma receita, era caro… Já as camisinhas são distribuídas de graça – e são a única opção que previne contra doenças. São tão convenientes. Por que não somos mais entusiastas da camisinha? Me ocorreu o mesmo também quando comparei a vasectomia com a laqueadura.
Educação é a chave para a mudança, então?
Se você quer reduzir os abortos, só há duas coisas efetivas. A primeira é garantir o acesso fácil e gratuito às diferentes formas de contracepção: camisinhas, DIUs, pílulas, vasectomias. A segunda coisa é a educação: baseada em fatos, apropriada a cada idade. Funciona e a gravidez indesejada cai. A ovulação é involuntária, não posso decidir quando estarei fértil. Já a ejaculação é sempre voluntária, e toda vez que um homem faz sexo, pode engravidar alguém. Não ensinamos isso na educação sexual e deveríamos.
As diferenças de gênero em relação a essas cobranças me tiram do sério. Como você se mantém lúcida, objetiva e calma para defender seu ponto?
Eu me esforço muito pra isso. Escrevi a thread no Twitter há anos, eu tive tempo para pesquisar e pensar sobre isso. Eu sinto raiva. Mas não de alguém em específico, é de estarmos todos mergulhados no patriarcado ao ponto de ser até difícil de ver o que está acontecendo. Eu não odeio os homens, alguém que odiasse os homens não poderia escrever esse livro que sugere: “Hey, acho que você pode ejacular com responsabilidade e isso ajudaria muito”. Eu respeito os homens, acho que eles são bons, capazes. Por isso dedico esse novo livro para as pessoas do futuro, que poderão seguir a vida sem medo de gestações indesejadas, e para os ejaculadores responsáveis, que podem — e vão — tornar isso uma realidade.
Ejaculação responsável: Um olhar revolucionário sobre o papel dos homens na gravidez indesejada
Ejaculação Responsável — Um olhar revolucionário sobre o papel dos homens na gravidez indesejada (Editora Sextante), lançado no meio deste ano, traz um raciocínio direto sobre a real responsabilidade dos homens na prevenção das gestações não desejadas e, por consequência, dos abortos.