*O texto a seguir contém pequenos spoilers de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”.
Mesmo que Doutor Estranho tenha ganhado uma introdução tímida e pouco empolgante no Universo Cinematográfico da Marvel — sob o comando de Scott Derrickson — o segundo volume da franquia consegue atingir dois objetivos impressionantes: revitalizar a jornada de Dr. Stephen Strange nos cinemas e abrir um novo leque de possibilidades para os filmes de super-heróis.
O responsável por essas conquistas não poderia ser ninguém menos que Sam Raimi. Mesmo estando há quase uma década sem dirigir quaisquer longas, o cineasta foi capaz de unir alguns de seus melhores feitos nesta continuação, como a atmosfera nostálgica de Homem-Aranha, o horror inventivo de A Morte do Demônio e a excentricidade cômica de Arraste-me para o Inferno.
Em Doutor Estranho 2, Stephen (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong) conhecem a jovem America Chavez (Xochitl Gomez), que tem a habilidade de viajar por diferentes multiversos. Graças à raridade de seu dom, a menina acaba atraindo um poderoso demônio que deseja lhe roubar os poderes e, logo em seguida, matá-la. Para salvar a garota — e impedir que a capacidade de transitar por diferentes universos caia nas mãos erradas —, Stephen decide pedir ajuda à Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen).
*Pequenos spoilers a seguir!
Elizabeth Olsen rouba a cena com interpretação intensa
Como muitos já desconfiavam, a Feiticeira Escarlate é a grande vilã da produção. Porém, não estamos falando de uma simples antagonista: Wanda é implacável e impiedosa, sendo capaz de exterminar alguns dos personagens mais poderosos em questão de minutos. Contudo, toda essa crueldade é equilibrada por suas motivações mais do que compreensíveis. No fim das contas, esta é a receita de sucesso para criar vilões inesquecíveis, né?
E Olsen consegue dar conta do recado: nos momentos de maior vulnerabilidade da personagem, a atriz transmite todas as emoções necessárias para que o público seja incapaz de odiá-la (mesmo diante de suas atitudes mais indefensáveis). E quando ela realmente abraça o seu lado sombrio, a estrela de Wandavision impõe respeito e proporciona uma atuação que se assemelha à inesquecível performance de Sissy Spacek em Carrie, a Estranha.
Filme de super-heróis… ou de terror?
Esqueça tentativas frustradas como Novos Mutantes e Brightburn: a sequência de Doutor Estranho traz a melhor fusão entre o gênero de heróis e o terror do cinema recente.
Mesmo com as limitações provocadas pela classificação indicativa, Sam Raimi consegue fazer milagres ao assustar e criar situações mórbidas em um filme da Marvel. Zumbis, monstros criativos, jumpscares e ambientações fantasmagóricas: todos esses elementos tão amados pelos fãs de horror estão presentes na narrativa.
Aliás, há até alguns momentos em que a trilha sonora nos remete aos scores apavorantes criados por Goblin em clássicos do gênero como Suspiria (1977) e Profondo Rosso (1975).
E para fechar com chave de ouro, Bruce Campbell — protagonista lendário de Evil Dead — faz uma aparição surpresa no segundo volume da franquia.
Psicodelia reforça a beleza estética da produção
Universos distintos, realidades distorcidas e imagens oníricas espalhadas por todo o canto: a nova aposta da Marvel não tem medo de mergulhar na psicodelia para criar uma experiência visualmente arrebatadora. Desde a sequência inicial, o filme deixa claro que os seus efeitos visuais são tão encantadores quanto a própria história.
Destaque para a cena em que a Feiticeira Escarlate é enclausurada em uma espécie de “prisão espelhada” durante uma invasão ao Kamar-Taj.
Desfecho traz carga emocional importante
Assim como citado anteriormente, Escarlate é uma das vilãs mais poderosas do MCU em anos. Portanto, utilizar soluções narrativas simplórias para derrotar uma personagem tão complexa e marcante seria um grande tiro no pé. Felizmente, este não é o caso do longa: as resoluções elaboradas pelos heróis estão sempre à altura das dificuldades criadas pela feiticeira.
E quando finalmente chegamos ao terceiro ato da produção, Raimi presenteia o público com uma mensagem dilacerante e urgente: impor os nossos desejos sobre o outro, mesmo quando acreditamos estar certos, nunca trará a felicidade. Apesar deste tema ter sido previamente abordado em Wandavision, ele ganha ainda mais força na obra protagonizada por Olsen e Cumberbatch.
Doutor Estranho 2: vale a pena assistir nos cinemas?
Mesmo pertencendo a um estúdio que visa entregar produções para todos os públicos — de crianças a adultos —, Doutor Estranho consegue renovar o tão desgastado gênero de super-heróis ao oferecer uma abordagem assustadoramente inédita.
Claro, tanto a psicodelia quanto os elementos bizarros poderiam estar em maior quantidade e intensidade. Porém, ainda estamos falando de Marvel: seria irreal e até mesmo injusto esperar isso da companhia.
Agora, a pergunta que fica é: será que estamos prestes a presenciar a primeira franquia horripilante de heróis do cinema? Bom, apesar de não termos essa resposta, o futuro da saga nunca aparentou ser tão empolgante.