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Carolina Maria de Jesus é a homenageada da Festa Literária das Periferias

A escritora ficou mundialmente conhecida pelo livro "Quarto de Despejo: Diário de uma favelada" e é uma importante figura da literatura brasileira

Por Esmeralda Santos (colaboradora)
Atualizado em 7 dez 2020, 17h13 - Publicado em 27 jun 2020, 14h00
Prêmio Carolina Maria de Jesus. Ao fundo, a escritora Conceição Evaristo.
Prêmio Carolina Maria de Jesus; ao fundo a escritora Conceição Evaristo (FLUP/Divulgação)
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“Como diz a Carolina: ninguém vai falar por mim. Então também somos nós falando por nós mesmos”, explica a comunicadora e escritora Ana Paula Lisboa, que é orientadora da turma “Quilombo Dona Carolina”, que conta com 29 mulheres negras na FLUP, Festa Literária das Periferias .

Na edição de 2020, a festa homenageia uma das importantes escritoras negras brasileiras. Carolina Maria de Jesus ficou mundialmente conhecida pelo seu livro “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada“, que completa 60 anos esse ano.

O evento acontece tradicionalmente em territórios excluídos de programas literários no Rio de Janeiro, mas, devido a pandemia do novo coronavírus, os encontros estão acontecendo de forma remota e transmitidos pelo Facebook e Youtube, toda terça-feira.

Além do ciclo de palestras de nome “Uma Revolução chamada Carolina” com convidados, a FLUP possui um processo formativo, onde nascem novos escritores, poetas e roteiristas. Esse processo resultou da publicação de 21 livros de autores das periferias, entre eles, está Ana Paula Lisboa.

De família tradicionalmente do samba, a música e os discos sempre foram presentes na vida da escritora. Aos 14 anos, ela ingressou em um curso de contação de histórias e teatro em um projeto social. “Eu não tinha livro, mas a minha família tinha muitos discos. Então eu ouvi muita música, ainda que não tivéssemos histórias no papel, eu cresci cercada de histórias reais”, contou ela à CLAUDIA de sua casa em Luanda, Angola, onde vive há 4 anos.

“Comecei a criar de uma forma mais específica, foi em 2012 [quando o evento ainda se chamava Festa Literária das UPPs] que comecei a me narrar como escritora. A FLUP me deu técnica e habilidade de produção, eu tinha que entregar textos semanalmente, então sai da inspiração e passei a ter que produzir inspirada pela própria técnica, o que foi muito importante”.

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No mesmo ano em que conheceu o evento Ana Paula e mais 42 autores tiveram seus textos publicados pela primeira vez, que ela entende como a importância mais objetiva dos encontros.

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A escritora Ana Paula Lisboa na FLUP de 2019 (FLUP/Divulgação)

“É algo muito representativo, uma força e uma potência ter um produto, algo físico publicado. Temos um histórico de pouquíssimas pessoas negras publicadas, e menos ainda de mulheres negras, ainda que escrevamos muito”.

Mas além das publicações afim de mostrar que as mulheres negras escritoras são muitas, há também o objetivo indireto dos encontros, que agora reúne 230 mulheres, para reescrever a obra de Carolina.

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“Temos falado sobre como essa escrita pode nos curar, e é uma cura coletiva. Escrever é um ato muito solitário, apenas você seu papel, sua caneta, seu computador ou celular. Então escrever no coletivo para mim é muito bonito, importante e fortalecedor”, argumenta a escritora.

“É um ato político você colocar 230 mulheres negras pra reescrever um livro de uma outra mulher negra, e ao mesmo tempo, painéis inspiradores que trazem debatedores e falas negras, em sua maioria também mulheres”, explica Ana Paula.

O principal desafio nesse momento, é a realização dos encontros através das videoconferências. “Claro que é um prazer, uma honra encontrar pessoas de Porto Alegre, do Piauí, da Bahia e de São Paulo ao mesmo tempo. Mas não olhar no olho de alguém, não saber se aquilo que você está dizendo está fazendo o olho dessa pessoa brilhar é horrível”, explica Ana Paula.

A FLUP é marcada por encontros e circulação de pessoas, e apesar de parecer um grande impasse, o evento tem acontecido normalmente. “Temos conseguido fazer encontros quentes, há muitos relatos emocionados de troca, desejo e de que esse processo está facilitando a vida delas pra escrever, que está sendo bom, prazeroso e um desafio. Escrever é isso, desafio e prazer”, conta a escritora.

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As sucessoras de Carolina estão na FLUP, e em todos os lugares

“Esse ano vai sair o livro mais revolucionário da FLUP. É o livro pra colocar a mulher preta em destaque definitivamente na literatura brasileira”, diz Denise Lima, de 53 anos e formada em jornalismo, que conheceu a festa no ano de 2012  fazendo a cobertura da parte infantil do evento.

“Por ser mulher preta periférica, mesmo com nível superior e especialização em literatura, as portas não se abriam”, conta a jornalista, que com a ajuda da FLUP conseguiu editar a coletânea “Je suis favela” na França em 2017 ao lado de mais 14 autores.

“Eu sou a Carolina que chegou à universidade, mas não conseguiu sobreviver do jornalismo. Hoje, eu ainda trabalho com comida. Faço congelados na casa de um casal de médicos”, explica Denise.

Agora ela segue em uma “busca do tempo perdido na casa das patroas das mães”, e quer resgatar através da escrita tudo o que vivenciou até os 20 anos de idade em um quarto de empregada ao lado de sua mãe. “Estou passando a limpo o que significa a imagem social de afilhada comportada da patroa ‘tijucana classe média alta’, sendo preta, ‘paupérrima’, com dois irmãos escondidos na casa de uma amiga da minha mãe, porque a patroa não podia saber dos outros filhos”, conta a jornalista.

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Com histórias parecidas com a de Denise, as 230 mulheres escreverão o livro “Crônicas Carolinas”, fazendo menções à vida de Carolina, que tem um encontro direto na vida de cada uma dessas mulheres, também pretas e escritoras.

“Eu e Carolina temos uma série de coincidências. A história de nossas famílias são parecidas. Assim como ela, tenho três filhos, então entendo Carolina, entende a ânsia de escrever para superar dores e entendo as dificuldades que ela teve”, comenta Denise.

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