Calúnia e perseguição: a participação do FBI na morte da atriz Jean Seberg
Atriz foi vítima do FBI por causa de seu envolvimento com líderes do movimento civil americano nos anos 60
“Não tinha visto nada além de Acossado. Sempre a achei icônica e cool. Eu li o roteiro e fiquei em choque, eu não fazia idéia da história e do seu fim trágico, fiquei interessada na complexidade de sua vida, mas eu tinha apenas uma imagem antes”, diz Kristen Stewart sobre Jean Seberg, a quem interpreta no filme Seberg Contra Todos, que entra em cartaz dia 5 de março nos cinemas.
Stewart não está sozinha. Por quase três gerações, se é que alguém soubesse quem foi Jean Seberg, não seria por seu trabalho como atriz. Certamente a primeira imagem dela seria como impactou a moda com sua assinatura de cabelo curto, pixie, camiseta branca, jeans, nada de maquiagem, sapatilhas e óculos escuros. Foi assim que ela apareceu em Bonjour Tristesse e Acossado, solidificando sua marca registrada.
E Seberg deixou 30 filmes antes de morrer – tragicamente – em 1979, aos 40 anos.
Musa da nouvelle vague do cinema francês, a pequena atriz de beleza inegável foi marcada desde cedo por tristes histórias familiares (o irmão caçula morreu, aos 18 anos, em um acidente de carro) e paradoxos, como o nome que soa francês e sobrenome sueco, apesar de ser 100% americana.
Ela sonhava com a carreira artística desde os 5 anos de idade e se transformou em estrela aos 18 anos, quando foi descoberta pelo renomado diretor Otto Preminger. Estreou nos cinemas como Joana D’Arc, em Santa Joana. Em seguida ela atuou ao lado de David Niven e Deborah Kerr na adaptação do best seller Bonjour Tristesse, também sob a direção de Preminger.
Massacrada pelos críticos, mas adorada pelo público, ela conheceu o primeiro marido durante as gravações de Bonjour Tristesse e se mudou para a França. Lá, Jean-Luc Godard a escolheu para estrelar Acossado, ao lado de Jean Paul Belmondo. O filme se destacou no revolucionário movimento do cinema novo francês que impactou o mundo nos anos 60 e marcou gerações de cineastas. Entre as várias características da nouvelle vague estavam a juventude dos diretores e elenco, a vontade de transgredir as regras do cinema comercial e promover o amor livre.
Jean Seberg acabou ‘pagando’ caro por sua dedicação ao ativismo e causas sociais.
Depois que foi para a França, em pouco tempo, na verdade de um minuto para o outro, Seberg deixou de ser atacada pelos críticos para ser aclamada por diretores como François Truffaut, que chegou a dizer que ela era a melhor atriz na Europa. Intercalando filmes nos Estados Unidos e na França, o casamento com François Moreuil acabou se transformando em uma relação abusiva onde ele gritava e a humilhava em público. Os dois se separaram, mas a atriz nunca deixou a Europa. Ela se casou de novo, teve um filho e seguiu vivendo entre um continente e outro.
Se fora Acossado poucos falam da filmografia de Jean Seberg, não se pode dizer o mesmo sobre sua vida pessoal. A estrela tinha uma preocupação social ainda antes de começar a fazer sucesso e quando passou a ser famosa, contribuía com valores altos para as causas em que acreditava. Dentre elas os direitos civis. Em tempos de segregação nos Estados Unidos, ela comprou uma casa para alunos negros que estudavam na Iowa Valley Community College, perto de onde nasceu. Sua iniciativa não era bem vista pela comunidade branca e conservadora do estado.
Nos anos 60, assim como Marlon Brando e Jane Fonda, ela se envolveu com movimentos ativistas mais radicais. No caso de Seberg particularmente se conectou com o movimento dos Panteras Negras. Ela viveu um intenso romance com o líder do movimento, Hakim Jamal, primo de Malcolm X, e adepto de táticas violentas contrárias às conversas de paz que Martin Luther King defendia. Isso virou mais do que um escândalo. Ganhou proporções de um filme de terror.
Seberg e Jamal se conheceram quando a atriz estava em Los Angeles e por dois anos, enquanto romance durou, ela doou milhões de dólares para a organização. O envolvimento dos dois chamou a atenção especial do FBI, que pôs Seberg no topo da lista do programa de contrainteligência Cointelpro. Segundo documentos tornado públicos depois da morte de Seberg, a agência determinou a urgência de “neutralizar” Jean Seberg. Para isso, a agência lançou uma campanha difamatória contra a atriz, grampeou seus telefones, amigos dizem que a casa dela foi revirada algumas vezes e que ela sofria o assédio de agentes na rua. A pressão por anos de perseguição colaborou para uma instabilidade emocional da atriz.
O que se provou fatal, no entanto, foi o artigo publicado no LA Times e na Newsweek, que dizia que ela estava grávida de Jamal. Na época Seberg ainda estava casada com Romain Gary, pai de seu filho, Diego. A verdade era que de fato ela não estava grávida do marido, algo que só foi admitido após sua morte. Porém tampouco a criança era de Jamal ou Raymond Hewitt (também dos Panteras Negras), mas sim fruto do romance da atriz com o ativista mexicano Carlos Ornelas Navarra. Quando a matéria foi publicada nos Estados Unidos – e repercutida em todo mundo – Seberg estava grávida de 7 meses. O estresse e a pressão de uma sociedade ainda muito conservadora contribuíram para que a atriz entrasse em trabalho de parto prematuramente. A filha, Nina, só sobreviveu por dois dias.
Seberg nunca se recuperou do trauma.
A atriz ainda tentou seguir em frente, se casou pela terceira vez, dessa vez com o diretor Dennis Berry. Mas amigos dizem que a sempre frágil estrela nunca mais voltou a ser a mesma. A paranóia da perseguição do FBI pautava seu dia-a-dia. Ela tentou o suicídio todos os anos (por 9 anos), sempre perto da data da morte da filha. Segundo os mais próximos. ela praticamente enlouqueceu.
Em agosto de 1979 Jean Seberg desapareceu por 10 dias. Foi encontrada morta, enrolada em cobertor, no banco traseiro de seu carro, em Paris. Havia um curto bilhete de despedida escrito em francês para o filho. Apesar de oficialmente a causa da morte ter sido concluída como uma combinação de álcool e remédios, muitos suspeitaram de assassinato. Seu ex-marido, Romain Gary foi à imprensa acusar o FBI pela morte de Seberg. Ele mesmo se matou logo em seguida, completando a tragicidade de toda história. O FBI admitiu a campanha caluniosa contra a atriz, mas tardiamente.
O filme Seberg Contra Todos se concentra nessa fase da vida da atriz, especialmente na relação delicada entre Seberg e Jamal. Lançado no Festival de Veneza ainda em 2019, perto do 40º aniversário de morte da estrela, o filme foi aplaudido de pé no festival e entra em circuito no Brasil no dia 5 de março.
“Apesar de todas tragédias e coisas horríveis que viveu, é inegável que ela ainda é incompreendida”, comentou Kristen Stewart. “Ela realmente era impulsiva, idealista e inocente algumas vezes, mas sempre bem-intencionada. Eu me senti a reivindicando e de alguma forma a validando”, disse ela.
Veja o trailer de Seberg Contra Todos.