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“Caderno Proibido”, de Alba de Céspedes, evidencia a relevância da escrita

Livro da autora italiana exemplifica os pensamentos de Virginia Woolf e acrescenta à vivência doméstica um olhar psicanalítico

Por Paula Jacob
20 jun 2022, 11h09
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  • Lá em 1929, Virginia Woolf defendeu a ideia de que mulheres deveriam ter um espaço só delas para produzirem literatura e artigos críticos – digo sobre o excelente Um Quarto Só Seu (Bazar do Tempo, R$ 69,90). Pouco mais de 20 anos depois, Alba de Céspedes publicou, em formato semanal na revista La Settimana Incom Illustrata, a história de Valeria, uma mulher italiana, casada há bastante tempo, com dois filhos e uma vida “comum” ao gênero feminino naquela época. Tudo muda, porém, quando compra um caderno preto que viria a ser seu diário, uma espécie de memória dos acontecimentos mundanos que decidiu guardar segredo da família. 

    Caderno Proibido (Companhia das Letras, R$ 79,90), que virou livro em 1952, não só dá sentido ao que Virginia disse, como também mostra o quanto a elaboração do que se vive faz diferença no processo da existência. “O fato de somente a esta hora conseguir ficar sozinha para escrever me faz compreender que agora, pela primeira vez em 23 anos de casamento, dedico um pouco de tempo a mim mesma.” O nome vem desse esconder o objeto que representa o modo de ver e pensar a rotina, claro, mas também do próprio ato de adquiri-lo: num domingo, dentro de uma tabacaria, a contragosto do vendedor que lhe disse não poder vender um caderno naquele dia da semana. 

    Nos primeiros registros, a personagem se mostra abobada com a ideia de anotar o que se passa na família, “não há nada a dizer”. Se esconde, se esconde, rejeita o observar-sentir de situações até que nós, leitores, começamos a perceber uma pequena diferença nessas anotações. Os registros que demoravam dias para ganhar corpo na ponta do lápis, passam a ser mais recorrentes, mais longos, mais questionadores do modus vivendi dessa organização familiar de classe média num contexto pós guerra. 

    Resenha do livro
    (Paula Jacob/Arquivo pessoal)

    A história vira uma questão de “passar coisas a limpo como quem remexe as gavetas”: ela enxerga com outros olhos o marido, os filhos, as amigas, os colegas, a vida cotidiana. Se desloca de um molde costurado para as mulheres como ela se fazerem encaixar e testemunha na filha uma nova ruptura desse feminino em evolução – a maternidade, aliás, é um dos pontos altos deste livro, que traz, enquanto tema, conflitos geracionais e eróticos. 

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    Alba também nos coloca frente a frente com questões psicanalíticas e filosóficas da própria arte de existir: seríamos nós, humanos, apenas aquilo que contamos aos outros ou o que escrevemos num quarto semi escuro num horário oportuno do dia; ou nada disso? “Creio que só posso continuar indo adiante sob a condição de me esquecer.” Valeria então passou a ser alguém apenas depois que trouxe ao papel suas experiências? “Quanto mais me conheço, mais me perco”, e, claro, porque o processo é contínuo, árduo, mas bonito, porque gera novos caminhos internos. 

    E isso torna este romance de autoanálise um perfeito mergulho no próprio ‘eu’ de quem lê, além do ‘eu narrador’ e do ‘eu narrado’. Daí o segredo é nítido, o medo da descoberta pelo outro aumenta, a paranóia em manter o caderno fora do alcance de olhos julgadores, um diário é a exposição mais íntima que temos. E mesmo sendo um espaço sem destinatário, acabamos, leitores, sendo o destino final dessas palavras tão envolventes sobre questões aparentemente banais. É bonito ver como a personagem caminha ao longo do período dos registros, e o quanto a mudança interna urge por uma externa, mesmo que doa momentaneamente. Se a escrita oculta gera uma culpa, é a própria publicação da história que liberta essa personagem de sua aflição.

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