Tudo depende do ponto de vista está longe de ser uma máxima esvaziada de sentido para Tainá Müller. O exercício de enxergar um prisma de possibilidades em cada cena a faz desafiar expectativas (as alheias e as que sua própria criação moldaram) para surpreender, sempre. Nesta sessão de fotos para CLAUDIA, iniciada excepcionalmente às 6 horas de uma manhã levemente fria em São Paulo, a artista que percorreu vários caminhos até se encontrar como atriz, mergulhou sem ressalvas na descoberta de poses diferentes, por exemplo.
Ficar de ponta-cabeça, equilibrar-se num caixote, fazer contorcionismo com as pernas e a pelve? Sim para todas as alternativas, desde que a liberdade esteja a serviço da arte e da sua soberania. Rodeada de mulheres por quem se deixou vestir, maquiar e fotografar — e depois trocou elogios emocionados e sinceros —, Tainá demonstra com o corpo, as palavras e o coração um desejo intenso de mudar de perspectiva. Eis o impulso por trás da sua participação como protagonista da série Bom Dia, Verônica, que acaba de ganhar nova temporada na Netflix; da atuação ao lado de Reynaldo Gianecchini no espetáculo de teatro Brilho Eterno, que em breve deve voltar ao cartaz no Rio de Janeiro; e da produção e direção junto com a amiga Fabiana Winits do documentário Apolo, longa sobre um casal trans que tem um bebê, para citar só alguns dos trabalhos mais recentes. “A criatividade é o meu combustível. Eu não conseguiria me encaixar minimamente na sociedade se não estivesse trabalhando com criatividade. Tenho esse impulso desde criança, sempre fui muito inventiva, sou uma criadora de histórias”, conta.
Nenhuma das histórias já contadas por ela teve tanto impacto, porém, quanto a da policial Verônica, cujo senso de justiça impulsiona o desvendar de pesados episódios de violência contra a mulher. “Verônica é uma personagem muito importante na minha vida, não estou nem falando só na carreira. Ela transborda, faz eu tomar decisões importantes em torno dela“, completa a atriz. Desde a primeira temporada, que estreou no final de 2020, a série baseada no romance de Ilana Casoy e Raphael Montes movimentou debates.
Tainá participou de conversas com policiais, advogadas, juristas, juízas, movimentos de acolhimento de mulheres, psicólogas. A troca de experiências aprofundou sua visão: “Me fez realmente olhar pra situação da mulher no mundo e no Brasil, o quanto isso nos atravessa todos os dias. A gente vai calando pra seguir a vida, porque caso a gente se deixe acabar por cada notícia, não levanta da cama”. Bem desperta, Tainá tem trilhado a jornada para longe da reatividade e mais perto da consciência sobre a melhor maneira de agir e mudar esse jogo. “Sabe aquela coisa do círculo da vida, da serpente que come o próprio rabo? É como se muitas coisas que aconteceram comigo, que eu vi e tentei dizer, me trouxessem até essa personagem, para que pudesse dar vazão.”
Há anos, Tainá sentiu necessidade de se instrumentalizar e ampliar o entendimento sobre filosofia, literatura, comunicação e outras áreas, do ponto de vista das mulheres. Com Djamila Ribeiro, estudou a nova primavera feminista e encontrou na diversidade o maior valor. “Quando você não só tolera a diversidade, mas zela pela diversidade, você está falando de direitos. O que a gente não pode é que o Estado, ou os homens, ou outras pessoas, decidam sobre a nossa primeira soberania, a dos próprios corpos.”
A liberdade que começa no movimento e se estende até os sonhos parte de uma quebra de padrões, inclusive sobre o que é belo. “Diversidade também significa não precisar fazer as coisas dentro de uma caixa. Estamos num movimento shivaísta. É o feminino Kali de vamos botar tudo abaixo para ver o que sobra. Me interessa muito o que a gente vai construir a partir disso.”
Dentro de casa, ao lado do marido, o diretor Henrique Sauer, e do filho, Martin, a prática tem sido de buscar na disciplina positiva uma forma de dar novo sentido à infância e às relações. “É um exercício para mim. Se tenho um conflito com uma pessoa, tento me deslocar para entender o ponto de vista dela. Sempre tive uma memória muito viva, o que para interpretar é uma benção, mas tinha outro lado negativo, de remoer as experiências. Meu desafio hoje é liberar e ressignificar as histórias para mim mesmo.”
“Meu sonho é ficar velha. Quero viver muito, MUITO. Tenho gana da vida, quero chupar a vida até o caroço”
Tainá Müller
Em cada sombra no caminho, Tainá passou a ver uma porta de acesso para a luz. É um aprendizado recente, ela diz, dos muitos que intuitivamente já buscou e pretende aprofundar com o passar dos anos. Envelhecer, aliás, é seu grande sonho. “Trabalho todos os dias para ficar velha. Quero viver muito, MUITO. Tenho gana da vida, quero chupar a vida até o caroço, tudo que ela pode me oferecer. Quanto mais a gente fica nesse planeta, mais a gente aprende e isso é muito libertador”, diz, aos 40 anos. Para o filho, agora com 6 anos, tenta ensinar a beleza de cada uma das idades. “Ter um filho exige um estado de presença constante, o que é muito difícil para uma geminiana como eu.”
Foi no aqui e no agora que Tainá buscou um alento para as reflexões existenciais de Tintin, que teimava em saber quem tinha criado o universo, entre outras perguntas fáceis sobre o sentido da vida. “Filho, no fundo, acho que a gente estar aqui pra aprender. Aprender a amar, e ser amado, essa que é a parada”, disse Tainá. Eis, talvez, o melhor ponto de vista. Abaixo, veja mais fotos do ensaio:
Créditos
Fotos: Julia Rodrigues
Styling: Yumi Kurita
Beleza: Esthéfane Luz
Direção de arte: Kareen Sayuri
Assistente de foto: Danilo Marroco
Produção de moda: Taynara Aquino e Luan Gabriel
Tratamento de imagem: Marcos Okubo