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Bob Dylan inspirou Jesus Christ Superstar

Há 50 anos, o musical nasceu da inspiração de um verso da canção de Dylan, “With God on Our Side”

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 7 Maio 2020, 15h24 - Publicado em 12 abr 2020, 13h00
 (Universal/Getty Images/Getty Images)
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“Será que Judas Iscariotes estava com Deus ao seu lado?”. Esta frase, da canção With God on Our Side, de Bob Dylan, mexeu com os (então jovens) Andrew Lloyd Weber e Tim Rice. O ano era 1968 e os dois se conheciam há 2 anos. Eles vinham do estrondoso – e surpreendente – sucesso do musical religioso, Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat e tinham que decidir o que fariam em seguida. A sugestão era de abordar a história de Jesus Cristo, o que pareceu óbvio depois de Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat. Porém, como todos jovens, eles não queriam nada convencional. Era uma época ainda de fortes conflitos políticos e o movimento hippie era a forma mais usual de contestação, e Dylan era Deus para toda geração da época. “Tim [Rice] usou essa frase da canção como ponto de partida para o roteiro. Claramente Iscariotes não era um homem sem inteligência, então quanto de tudo que aconteceu foi apenas um acidente ou foi necessário diante da política na época?”, explicou Lloyd Weber em uma entrevista relembrando a criação.

Os dois definiram que a história de Jesus, mais objetivamente sua última semana de vida, seria contada pela ótica de Judas. E seria uma ópera rock. “É a pior ideia de todos os tempos”, foi o que os dois ouviram como negativa. A resistência deu confiança de que estavam no caminho certo. Mas, sem ninguém bancando a produção, e agora?

Andrew Lloyd Webber e Tim Rice
Lloyd Weber e Rice, em Londres, em 1970, na época do lançamento do album conceitual Jesus Christ Superstar (Evening Standard/Hulton Archive/Getty Images/Getty Images)

Album conceitual com estrelas de rock

Se não tinha como ir direto para o palco, não era porque era uma má ideia. Foi essa certeza da dupla que os moveu a provar que a proposta era boa ao mostrar como seria a ópera. “Fazer em um álbum, fez com que fosse mais curta, enxugasse o roteiro e assim ficasse mais contemporânea, mais rock, com maior energia e falando diretamente com um público mais jovem”, reconheceu Rice. “Na época não estávamos felizes, porque graças ao Andrew, queríamos escrever para o teatro, não para álbuns. Mas fazer o processo contrário funcionou para o melhor porque promoveu o trabalho tão bem que quando finalmente chegou aos palcos, todo mundo já conhecia todas as músicas”, lembrou o letrista e roteirista.

A primeira faixa gravada foi com o cantor Murray Head como Judas, cantando a música título do musical, Superstar. Nela, Judas questiona Jesus por suas decisões e pede desculpas “eu só quero saber”, diz no refrão. Lloyd Weber pensou na melodia enquanto passeava por Londres e – para não esquecer a música – escreveu as notas em um guardanapo. O sucesso dessa faixa, que subiu nas paradas de todo o mundo, incluindo o Brasil, garantiu a gravação do álbum completo. A letra, no entanto, chocou religiosos ao dar voz a um Judas humanizado, com dúvidas pertinentes e uma crítica ácida. ( Ele questiona Jesus por escolher vir ao mundo em um tempo pré-comunicação de massa, por exemplo).

Com o hit, veio o álbum. Na época os rumores foram de que John Lennon assumiria o papel de Jesus, e Yoko Ono de Maria Madalena. No final das contas, o Jesus original foi ninguém menos do que o vocalista de uma das bandas de rock mais famosas dos anos 1970, Ian Gillan, do Deep Purple. Maria Madalena foi interpretada por uma cantora descoberta por Lloyd Weber em um bar, Yvonne Elliman, que repetiu o papel nos palcos e no filme.

Depois de mais de 400 horas de gravação com orquestra completa, uma banda e corais, Jesus Christ Superstar foi lançado em setembro de 1970.  “O que Rice e LLoyde Weber criaram foi uma peça moderna que enfurece os devotos, mas deve intrigar e até inspirar os jovens agnósticos”, escreveram na época. Com o álbum de sucesso, a Broadway estava finalmente garantida.

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Jesus Christ Superstar
(Hulton Archive/Getty Images/Getty Images)

Em dois anos, Jesus Christ Superstar saiu dos palcos para o cinema

Em menos de seis meses Jesus Christ Superstar já era um fenômeno pop e estreou na Broadway, com críticas divididas. O próprio Lloyd Weber se queixou que a primeira montagem estava muito longe do que ele e Rice tinham imaginado. O ator e cantor Carl Anderson liderava o elenco nos palcos, quando, em 1973, o diretor Norman Jewison topou o desafio de fazer o longa, sendo o primeiro nome confirmado no elenco.

O filme em si é outra história curiosa. Jewison inovou na época com um musical completamente fora dos padrões conhecidos. Sem ter certeza como adaptar a peça para o cinema, viajou para Israel e passeou pelo país ouvindo a trilha em uma cassete. Em um momento deparou com um ônibus de turistas e teve a inspiração: Jesus Christ Superstar seria a montagem de uma trupe hippie, passeando pelos locais onde Cristo passou e revivendo sua história. A essa altura, Jesus passou a ser defendido pelo cantor Ted Neeley, que hoje já interpretou o papel mais de 5 mil vezes nos palcos. Assim como Anderson, Neeley aparece a princípio sem destaque entre os atores até que seja identificado como Jesus. Filmado todo in loco, Superstar chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme em 1973.

Jesus Christ Superstar, o filme, chocou tanto o público na época quanto já tinha feito dois anos antes no teatro. Pela primeira vez, tanto Jesus quando Judas eram tratados como humanos. “Sempre tem alguém por perto com cartazes de protesto dizendo que vamos destruir o universo com o rock”, diz Ted Neeley.

Além de Superstar, a outra canção de sucesso é Gethesemane (I only want to Know), uma canção que demanda pulmão e  maturidade de interpretação para poucos e que retrata o momento em que Jesus questiona Deus, antes de aceitar seu destino. “Por que eu tenho que morrer? Você pode me dizer hoje que meu sacrifício não será em vão”, ele canta.

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“A letras são sobre uma conversa entre filho e pai, assim como tinha com o meu pai quando criança”, diz Neeley.  “Quando eu não sabia algo e perguntava a ele, sentávamos para conversar. Não sou ‘Jesus falando com Deus’ nessa canção”, explica.

Yvonne Elliman e Ted Neeley In ‘Jesus Christ Superstar’
(Universal/Getty Images/Getty Images)

Clássico ainda em cartaz e várias remontagens

Na Páscoa de 2000, uma versão nova do musical foi gravada e lançada diretamente em vídeo. Não chega aos pés da versão de Jewison, que se mantém atual pelo conceito assumidamente teatral que elegeu. Neeley continua se apresentando nos Estados Unidos como Cristo.

Jesus Christ Superstar
Carl Anderson e Ted Neeley no aniversário de 20 anos de “Jesus Christ Superstar” , nos anos 1990 (Ron Galella/Ron Galella Collection via Getty Images/Getty Images)

A última regravação trouxe John Legend como Jesus Cristo e foi vencedora de vários Emmys, em 2018. “O conceito do show é interessante, a idéia de falar de sentimentos humanos, como medo e dúvida, ressentimentos e traição”, diz Legend. “No musical Tim e Andrew sugerem que Judas talvez tenha tido um argumento, talvez ele tivesse boas razões para questionar o método de operação de Jesus”, sugere,

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Tim Rice e Andrew Lloyd Weber viraram estrelas absolutas no teatro após o musical e repetiram o conceito de primeiro gravar um álbum antes de estrear a peça com Evita, o musical que compuseram logo em seguida.  Depois de Evita, em 1977, os dois nunca mais trabalharam juntos.

Andrew LLoyd Weber e Tim Rice
(Ollie Millington/Getty Images/Getty Images)

Adorado pelos fãs, musical tem status de cult

Se hoje poucos lembram da música de Bob Dylan, é muito difícil que não saibam cantarolar Superstar e o status  de cult cerca todas as versões do musical. “Sem Norman Jewison não haveria o filme Jesus Christ Superstar e certamente não teria a conexão espiritual que tem até hoje”, diz Neeley. “Meu sentimento é que Andrew e Tim queriam olhar para os últimos 7 dias do homem chamado Jesus de Nazareth, visto pelos olhos de seus amigos e contemporâneos. Eles o viam como um homem assim como divino. No musical os vemos antes de sua morte e ressurreição, essa é a conexão que as pessoas conseguem se identificar mais do que pensam quem Jesus foi”, sugere.

Depois de mais de 40 anos interpretando Jesus, Neeley mantém os pés no chão. “Sou inspirado por aqueles momentos tocantes que são poderosos através da música e das letras que cantamos a cada apresentação”, diz. “Sempre me eleva a alma e é sempre novo”, sorri.

Ah, embora Jesus Christ Superstar tenha despertado críticas de vários lados religiosos, segundo o ator, o Papa Paulo VI aprovou pessoalmente a obra, na época de seu lançamento. Segundo Neeley, Paulo VI ganhou uma sessão especial no Vaticano e teria dito ao diretor que “não apenas apreciei sua bela ópera rock como também acredito que vai trazer mais pessoas para o Cristianismo do que outra obra antes dela”. Certamente já é um clássico.

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