Seis anos após o lançamento do político “Lemonade”, Beyoncé está de volta com “Renaissance”, seu sétimo álbum de estúdio. Se até então a cantora vinha acumulando trabalhos profundamente perfeccionistas — onde cada elemento musical e visual pareciam ter sido milimetricamente analisados para criar uma obra-prima incontestável —, o novo disco da ‘Queen B’ segue a direção contrária. Aqui, a artista se joga sem pretensões em hinos prontos para as pistas de dança, unindo house music, 80s funk, disco e electropop em um projeto que explora o cenário efervescente e contagiante dos clubes noturnos.
É, sem sombra de dúvidas, um renascimento para Beyoncé. Após dominar o mundo e estar à frente de inúmeras revoluções na indústria fonográfica — que incluem o lançamento de álbuns visuais deslumbrantes e um espetáculo no ‘Coachella’ que a fortaleceu como a maior performer deste século — não há outra opção para a cantora além de se divertir e desfrutar de sua liberdade criativa inesgotável.
O resultado dessa descontração é um trabalho que tanto homenageia o passado ao enaltecer lendas como Donna Summer e Robin S. quanto traz um vislumbre do que a dance music pode vir a ser nos próximos anos. Em um cenário mainstream contemporâneo dominado por batidas trap e produções mid-tempo anestésicas, seria Beyoncé a responsável por resgatar as cores que tanto precisamos no universo musical? Ao que tudo indica, sim.
‘Renaissance’ explora a conexão pessoal de Beyoncé com as pistas de dança
A cantora abre o álbum com “I’m That Girl”, canção que dita o tom autoconfiante presente em todo o projeto. A escolha não poderia ser mais assertiva, visto que a faixa faz sample de “Street Shit”, interpretada por Tommy Wright III — um dos pioneiros da música trap. A escolha deixa claro que Beyoncé está reconquistando uma cultura que sempre pertenceu às pessoas pretas. Para isso, ela aposta em referências que escapam do óbvio e enaltecem os artistas responsáveis por muitos dos gêneros que dominam as paradas musicais atuais.
Inclusive, no encarte do “Renaissance”, a artista fortalece essa mensagem: “Este disco é dedicado a todos os pioneiros que originaram a cultura, a todos os anjos caídos cujas contribuições não têm sido reconhecidas por muito tempo.” Vale lembrar que o disco também é uma grande carta de amor a Johnny, padrinho de Beyoncé que faleceu de HIV em uma idade prematura. “Ele foi a primeira pessoa a me apresentar a muitas das músicas que serviram de inspiração para esse álbum”.
E este é um dos principais trunfos do disco: conseguir transmitir uma aura intimista e reveladora ao mesmo tempo em que entrega canções extremamente eufóricas (como a fabulosa “Alien Superstar”, que traz o DJ jOHNNYDANGEROUS recitando comandos de ordem em uma produção eletrônica infecciosa).
Samples assertivos enriquecem o projeto
E falando em ícones, é impossível não se empolgar com a quantidade de samples bem-sucedidos no álbum. A tribal “Energy” resgata elementos de “Get Along With You”, hit provocativo de Kelis que marcou profundamente a cultura pop. “Break My Soul” — primeiro single do álbum — flerta com a atemporal “Show Me Love” de Robin S, pioneira da house music. Aliás, a faixa em questão vem sendo amplamente explorada na indústria: recentemente, nomes como Katy Perry e Lady Gaga referenciaram a obra em “Swish Swish” e “Sour Candy”, respectivamente.
“Cozy”, desenvolvida pelo produtor trans Honey Dijon, mira em uma melodia doce ao mesmo tempo que aborda temáticas complexas como a autoaceitação corporal. “Dançando em frente ao espelho, beijo minhas cicatrizes pois amo o que elas criaram”, afirma a cantora em alusão às marcas geradas pela gestação de suas filhas.
E após reafirmar a sua autoestima e se libertar das amarras de uma sociedade imediatista em “Church Girl”, Queen B viaja para territórios sensuais em “Plastic Off The Sofa” e “Virgo’s Groove”. Aliás, esta última mergulha em uma deliciosa sonoridade funky acompanhada de guitarras que intensificam a porção R&B orgânica do álbum. Ao mesmo tempo, “Pure/Honey” e “America Has a Problem” ampliam a proposta 90s ballroom contagiante introduzida por “Break My Soul”.
Não há pontas soltas neste trabalho: a pluralidade de sons conversam entre si para criar um universo tão coeso quanto libertador. Por fim, “Summer Renaissance” encerra o álbum da maneira mais elétrica possível ao referenciar a hipnótica “I Feel Love” de Donna Summer.
‘Renaissance’: vale a pena escutar o álbum?
‘Renaissance’ pode não ser o que o público esperava após obras densas como o self titled “Beyoncé” e “Lemonade”, e isso é fantástico. Neste disco, Beyoncé prova que é possível se reinventar e promover grandes discussões sociais sem deixar o prazer e a extravagância de lado. Este é o melhor álbum de sua carreira? Provavelmente não. Contudo, esta é definitivamente a entrada mais divertida em sua discografia.
Ouça o álbum ‘Renaissance’ completo abaixo: