Antônio Fagundes reflete sobre cenário político atual e cultura brasileira
Antônio Fagundes é um dos protagonistas de “Independências”, seriado da TV Cultura que revisita o passado de nosso país de forma inovadora e ousada
Independências, nova minissérie da TV Cultura, estreou nesta quarta-feira (7) no canal. Com 16 episódios, a produção revisita o momento em que a família real portuguesa chega ao Brasil de maneira crua e assertivamente incômoda. O resultado é uma obra extremamente urgente que coloca inúmeros elementos da cultura preta — como o hip-hop e a mitologia iorubá — no centro de uma história que, por séculos, foi contaminada por uma narrativa erroneamente eurocêntrica.
Um dos nomes de peso do elenco é Antônio Fagundes, que interpreta Dom João VI de forma mais realista do que costumamos ver em produções audiovisuais do gênero. Em entrevista exclusiva à CLAUDIA, o ator refletiu sobre a importância do projeto ser lançado em meio ao cenário político atual e qual impacto ele deseja provocar com o trabalho. Confira:
CLAUDIA: O que faz “Independências” ser um projeto tão especial?
Antônio Fagundes: Ah, mil razões… Eu sempre fiz muita coisa na TV Cultura. Talvez eu tenha sido um dos primeiros atores a gravar algo por lá. Em 1969, quando a emissora havia sido recém-inaugurada, estrelei um teleteatro baseado num conto de Dalton Trevisan dirigido por Alfredo Mesquita, criador da Escola de Arte Dramática em São Paulo. Depois fiz programa de auditório, novela, telecurso, reportagens de turismo… Participei de tantas coisas neste canal, porque sempre senti que a emissora representa uma ponta de lança da experiência. E apenas neste canal que ainda podemos fazer um trabalho como “Independências”. E aí entra o fato da minissérie ser dirigida pelo Luís Fernando Carvalho, que provavelmente é o diretor com quem mais trabalhei em minha carreira. Quando ele me chamou para atuar em um projeto dentro da TV Cultura e com esse viés de revisitar a história brasileira de uma forma moderna, eu não tive como recusar.
CLAUDIA: Para você, qual é a importância do seriado realizar esse revisionismo histórico durante o período político extremo que vivemos?
Antônio Fagundes: Talvez estejamos vivendo esses momentos porque desconhecemos as verdadeiras origens deste país. Tentamos ao máximo camuflar o passado. A violência sempre foi camuflada, assim como o comboio da religião com a política e o mal que os mais poderosos fizeram à população. Estamos num país que se diz laico, quando na verdade, não é. Nos assustamos quando percebemos que não somos um povo tão cordial quanto pensamos. Mas para quem conhece a real história do país, este retrato do seriado não assusta, e sim, explica. Tá na hora da gente parar de se assustar e começar a entender que algumas coisas do passado continuam acontecendo até hoje. Mas a partir do momento que ganhamos consciência disso, temos o dever de interromper tais problemas.
CLAUDIA: Como podemos — enquanto população — encarar o passado sem cair num excesso de culpa ou vergonha que nos impeça de agir?
Antônio Fagundes: Eu acho que o passado está lá e precisa nos amedrontar. O verdadeiro problema é estar assustado com o presente e o futuro. Eu quero que o passado nos assuste (e muito). Quanto mais medo tivermos, menos vamos deixar que algumas coisas se repitam. Precisamos trazer a informação de nossas raízes para as vozes daqueles que foram oprimidos. Se pararmos para pensar, eles representam mais da metade da população. Há toda uma história do povo brasileiro que saiu de nossas mãos durante séculos. Mas a história do Brasil não pertence a um governo ou partido, e sim, à nação brasileira, aqueles que construíram este país. Se ouvirmos essas vozes, podemos descobrir que os verdadeiros heróis de nossa ancestralidade são justamente aqueles que foram excluídos por tanto tempo.
CLAUDIA: Qual legado você espera que a minissérie deixe para a cultura brasileira nos próximos meses ou anos?
Antônio Fagundes: Seguramente, muita coisa da minissérie vai ser copiada, porque ela traz uma revolução estética de forma acessível. Apenas isso já deixará uma marca. Além disso, acredito que há um toque de juventude nesta proposta de “Independências”. A maioria dos governos sempre quis destruir a cultura para não termos acesso a nossa identidade. Mas se os jovens se derem ao trabalho de assistir, tenho certeza que vão perceber que há outras formas de contar e compreender aquilo que eles sempre acharam chato.
CLAUDIA: Como foi a experiência de estar no set de um seriado tão disruptivo em aspectos técnicos e narrativos?
Antônio Fagundes: O Luís Fernando [diretor da minissérie] cria um ambiente muito bom, uma verdadeira bolha de arte, em todas as suas criações. Então discutimos bastante o texto. Além disso, ele chamou muita gente do teatro para atuar na produção, e estes são atores acostumados a mergulhar profundamente em seus personagens. As mesas de ensaio estavam repletas de livros, então quem quisesse saber algo sobre quaisquer assuntos, poderia apenas ir lá e pegar. Tudo era tão rico, que quando chegava a hora de gravar, as filmagens eram apenas uma consequência mínima de todo o preparo prévio. É extremamente prazeroso ter essa experiência. A série foge de todos padrões. Não temos cenários, nenhum efeito que te iluda. Ao contrário: Independências está sempre buscando a sua participação, querendo que você preencha a tela com a sua imaginação a partir do que não pode ser visto.
*Os episódios da minissérie vão ao ar toda quarta-feira, às 22h00, na TV Cultura.