A primeira edição do Primavera Sound Festival foi um sucesso absoluto: desde a escolha do local — apesar de algumas falhas, a Arena Anhembi favoreceu (e muito) a experiência dos fãs — à organização do line-up — que contou com nomes de peso como Arctic Monkeys, Travis Scott, Lorde, Charli XCX e Bjork —, todos os elementos trabalharam em harmonia para uma estreia memorável do festival em solo brasileiro. Contudo, nesta segunda edição, a história vem sendo bem diferente.
Mudança para o Autódromo foi um erro
Definitivamente, ninguém pediu (ou desejou) essa mudança: enquanto o Anhembi entregou conforto — alguns palcos contavam com arquibancada, o que potencializava a experiência positiva do concerto —, espaços de alimentação convidativos, banheiros funcionais, iluminação bem distribuída e um ótimo espaçamento entre os locais de apresentação, o Primavera Sound no Autódromo descartou todos esses acertos.
Começando pela extensão do evento, que utiliza uma pequena porção da instalação, dando a sensação de estarmos em uma espécie de ‘pré-festival’, tamanha a sua distribuição compacta. Por este mesmo motivo, o áudio de vários shows vazavam para outros palcos. Enquanto o público tentava curtir a experiência do show de Kelela, por exemplo, o som do concerto de Marisa Monte invadia incessantemente a pista do local, provocando um blend sonoro caótico.
Mesmo com as reformas realizadas pelo The Town no Autódromo, a infraestrutura durante o sábado decepcionou: não havia iluminação o suficiente nas passagens entre cada palco, fazendo com que muitos visitantes tropeçassem e até caíssem enquanto transitavam entre os shows. Com a quantidade de pessoas PCD presentes no evento, isso beira à irresponsabilidade.
Infraestrutura deixa a desejar
O quesito ‘experiência’ — que deveria ser extraordinária, considerando os preços dos ingressos que, no atual lote, ultrapassam os R$ 450,00 (meia-entrada para apenas um dia de festival) é praticamente inexistente.
Indo na direção oposta de eventos como o The Town ou Lollapalooza, que também acontecem no Autódromo, o Primavera não apostou em criar uma vivência imersiva no local. Muito pelo contrário: havia poucos estandes, ativações ou atrações que complementassem a vivência musical dos espectadores.
Apresentações competentes não seguraram a incoerência do line-up
As apresentações do sábado (2) foram, sem dúvidas, satisfatórias. A banda ‘The Hives’, que performou durante a tarde, entregou uma energia caótica incrível em cima do palco. Pelle Almqvist, vocalista, chegou a se jogar na galera, beber em copos alheios, se encharcar de água e abrir a camisa — tudo isso enquanto interagia, aos berros, com um público visivelmente entretido.
O grupo CSS, liderado pela cantora Lovefoxxx, entregou nostalgia em um set recheado de hits indie dos anos 2000. O mesmo vale para os Pet Shop Boys, que transportaram os fãs diretamente para a era de ouro dos anos oitenta.
Rachel Goswell, vocalista do Slowdive, estava com uma infecção na garganta, e mesmo sem voz, subiu ao palco e cantou em libras (provando o compromisso do conjunto com o seu público). The Killers, atração mais esperada da noite, abriu o setlist, de forma ousada, com o maior hit de seu repertório, “Mr. Brightside”. A escolha, possível apenas para uma banda com incontáveis sucessos no catálogo, enlouqueceu a multidão que os aguardava ansiosamente.
Entre hinos explosivos do rock, baladas emocionantes e um fã que subiu ao palco para tocar bateria, Brandon Flowers ainda encontrou espaço para brilhar no palco, servindo um carisma inegável que não se fez ausente durante as quase duas horas de apresentação.
Porém, mesmo com tantas performances positivas, é impossível não criticar a incoerência e desorganização do line-up, que ao dar extrema importância aos headliners, acabou prejudicando artistas menores que também deram ótimos shows.
Mc Bin Laden, que representou o funk brasileiro de forma excelente no ‘Palco São Paulo’, não pôde competir com The Killers, que tocavam no mesmo horário. Consequentemente, o funkeiro precisou lidar com uma plateia vazia, que poderia contar com muito mais espectadores caso a ordem das apresentações fosse melhor distribuída para que todos os estilos e sons pudessem brilhar (até porque, estamos falando de um festival que usa a representatividade como o seu maior mote).
Portanto, seria interessante que, em próximas edições, o Primavera Sound organizasse as apresentações de maneira mais coerente e justa, fazendo com que as atrações conversassem melhor entre si. É inegável que o público de The Killers não é o mesmo público de CSS (o que ficou evidente pelas expressões de confusão entre aqueles que só vieram para assistir a banda americana). Da mesma forma, o público de Marisa Monte não é o mesmo público de Kelela — que não é o mesmo de Pet Shop Boys. Apenas embaralhar artistas e bandas de maneira aleatória em dois dias de evento não é sinônimo de representatividade, e sim, de uma ausência de curadoria assertiva e cuidadosa.
Com um início tão forte em 2022, esperamos que o evento corrija a própria rota, e volte a ser aquele sopro delicioso de novidade que preencheu um vazio no mercado de festivais alternativos em nosso país.