Alessandra Montagne abriu seu restaurante há 15 anos, mas só há oito meses degustou a própria comida como cliente. Um renomado chef francês visitou-a no Nosso, sua maison em Paris, e fez questão de convidá-la para se sentar à mesa e viver a experiência criada por ela mesma. “Para mim, é difícil definir minha gastronomia. Eu faço uma comida de coração, do momento, sem planejar muito antes. Cozinho com o que o produtor tem para mim. Muitas vezes, precisei de galinha, por exemplo, e me diziam: ‘Ah, a galinha está muito pequenininha, tem que esperar duas semanas. E tudo bem. É uma comida com feeling”, conta.
Aos 45 anos, Alessandra comanda, além do Nosso, os renomados restaurantes franceses Dana e Tempero, o primeiro que abriu na cidade onde chegou aos 22 anos, apenas com Havaianas nos pés e uma mochila. Seu cardápio tem três entradas, três pratos principais e três sobremesas, e muda quase a cada semana. “Não suporto fazer a mesma coisa por muito tempo. E só ofereço um prato de carne”, diz. O porco com pele crocante e interior que quase derrete na boca é sua marca registrada: uma das heranças afetivas que ela levou da roça em Poté, no interior de Minas Gerais, onde foi criada pelos avós. “Eu gosto da comida que reconforta”, diz, lembrando da infância na cidade de 2 mil habitantes, onde, desde pequena, subia numa cadeira para fazer arroz. Foi lá que conheceu todos os sabores da terra e como prepará-los com amor, respeito e consciência. “Tinha fruta, verdura, porco, galinha, tudo… E lá você não colhe um legume para jogar fora o caule. E não mata um bicho se não for aproveitar todas as partes dele.”
Na França, a chef conhece seus fornecedores pelo nome e sabe de onde vêm, como foram criados e abatidos os animais que consome. “Precisamos comer de maneira consciente. Sabe quantos litros de água se gasta para ter um pedaço de bife no prato?” Seu processo criativo, curiosamente, se relaciona com as cores. “Vejo uma parede preta, branca e amarela e enxergo um prato. Ano passado, criei uma focaccia amarela porque vi um quadro com essa tonalidade incrível e quis reproduzi-la.”
Alessandra esteve em novembro no Brasil, participando do Mesa São Paulo, evento que reuniu importantes chefs nacionais e de todo o mundo. Ela, que já integrou uma seleta lista de profissionais homenageados pelo presidente francês Emmanuel Macron, ficou gratamente surpresa com o carinho que recebeu por aqui. “Fiquei muito feliz em saber que os colegas daqui acompanham meu trabalho e torcem por mim”, sorri, emocionada.
Nascida no Vidigal, Rio de Janeiro, onde foi abandonada pelos pais e resgatada pelos avós, ela engravidou do primeiro filho aos 16 anos e, com a ajuda da mãe, que conheceu aos 11, viajou à França para fugir da violência que sofria do marido. A gastronomia foi sua tábua de salvação. Os franceses ficaram impressionados com aquela jovem negra, imigrante, que sabia fazer tantas coisas. Quando decidiu ser cozinheira, leu todos os livros de culinária da época e olhava no YouTube o que chefs faziam mundo afora. Ao se formar numa escola de gastronomia parisiense, a primeira experiência veio com Adeline Grattard, que acabara de receber sua primeira estrela Michelin com o restaurante franco-chinês Yam’Tcha. 0
Depois, empreendeu voo solo e abriu o Tempero. Apesar de ser fora da rota turística, a fila na porta dobrava o quarteirão. “O salão ficou cheio, a comida não era suficiente. Eu tinha dó de dar a conta, de tão feliz que eu estava”, lembra. Hoje, não há um crítico gastronômico de lá que não tenha passado para provar sua comida simples, francesa, com um toque de brasilidade. Aliás, foi ela quem levou a pimenta-biquinho à França. E a primeira batata-doce parisiense nasceu no seu quintal. É provável que, em breve, ela mesma seja uma “chef estrelada”, mas essa não é sua ambição. “Aprendi, desde cedo, a ser feliz com o que tenho.” Por enquanto, sonha em fazer pão de queijo, sua receita favorita e um patrimônio gastronômico brasileiro, assim como ela própria.