Desde que voltei de um retiro de 21 dias na Indonésia (já falei sobre ele aqui na coluna, você leu?), tenho vivido um grande dilema: como deixar de ser refém de um ritmo de vida que não quero mais? Foi durante uma meditação que me dei conta de que o cansaço que carrego não é da semana passada, não é da última noite mal dormida pelo pesadelo dos filhos, nem é do excesso de demandas da minha empresa, a Soul.Me. O cansaço que carrego é bem anterior a tudo isso: não sei bem quando ele nasceu, mas o que me parece é que surgiu de uma crença de que preciso fazer muito para ser alguém.
Outro dia, durante um painel que mediei na Virada da Felicidade, ouvi de um amigo a seguinte frase: “A gente foi criado para ser alguém na vida. Enquanto tentarmos ser alguém, nunca seremos nós mesmos”. Ninguém me aprisionou no ritmo que vivo hoje. Eu mesma fui entrando neste labirinto em que tarefas e afazeres aparecem por todos os lados e me sufocam numa rotina que muitas vezes parece sem saída e sem sentido. Acontece que, desde o ano passado, tenho experimentado brechas. Brechas que aparecem como frestas de luz, como o sopro jorrado que sai do espiráculo da baleia depois de mais de uma hora sem respirar e renova o fôlego de uma vida inteira.
Escrever o livro Estar Bem Aqui, que publiquei no final do ano passado, foi uma destas grandes brechas. Uma pausa no tempo cronometrado das tarefas e calls, para um ritmo fluido da permissão para gestar, gerar e, então, finalmente criar. Toda vez em que me sentava à minha mesa para escrever, me sentia numa reunião apenas comigo, como se finalmente estivesse me dando atenção.
E aí talvez more a explicação daquele cansaço antigo: quantas vezes fugi de me reunir comigo e me fragmentei em mil itens de listas intermináveis de afazeres?
Para quê? Por que? Por quem?
Tenho encontrado com muitas mulheres cansadas, exaustas, absorvidas numa energia de controle para tentar dar conta de tudo. Tenho perguntado a elas como anda a divisão das tarefas em casa, no trabalho, como anda a autonomia dos filhos para que elas, mães, ganhem mais liberdade.
Ouço as mesmas frases em diversos ambientes diferentes:
“Eu até pedi ajuda para o meu marido, mas ele fez do jeito dele, aí tive que refazer tudo.”
“Eu achei melhor mandar a pessoa que me ajudava na empresa embora porque cansei de ter que revisar tudo o que ela fazia. Se é para fazer de novo, faço eu.”
“Ah, eu deixo mesmo meus filhos ficarem no celular, é uma mão na roda. Se eu não fizer isso, não consigo terminar tudo o que tenho que fazer.”
Aonde a gente acha que vai chegar deste jeito?
Ouvi de uma amiga querida que também é colunista de Claudia, a Noele Gomes, que pessoas controladoras não têm fé. Ela disse: “Pessoas controladoras querem que a fé resolva tudo no tempo delas”. A fé age fora do tempo.
Você tem conseguido permitir que a vida tenha o tempo dela?
Você, pelo menos, percebeu que entramos no outono? Por aqui, “mudaram as estações e eu também mudei”, como diz a música.
Eu não escrevo mais no whatsapp que estou muito corrida, que a vida está uma loucura, que a agenda está insana. Eu não quero mais estar nesta engrenagem de um mundo que acredito estar quebrado ou prestes a se despedaçar. Não quero fazer parte disso. Quero conseguir aproveitar o deleite de estar presente sem pensar no próximo passo.
Tenho experimentado isso em outras brechas: nas aulas de dança, de Tai Chi Chuan.
Em mais de um ano e meio de prática desta arte milenar chinesa, finalmente agora, só agora, parece que meu corpo entendeu que ele pode se movimentar no relaxamento, que não é preciso tanta tensão para dar conta do que foi proposto. O Tai Chi tem me ensinado muito sobre abrir mão da tentativa de controle, de fazer a forma correta, o movimento perfeito para encontrar um lugar mais sutil em que é possível apenas se permitir perceber o que está acontecendo. E acredite: em qualquer movimento que você faça, por menor que ele seja, já tem muita coisa acontecendo dentro de você!
Na dança, o trabalho tem sido de descobrir que quando a gente encontra o tônus necessário – apenas o necessário – fica mais disponível para embarcar na viagem da música, do outro, para se conectar com o que está acontecendo naquele exato momento. Dá até para encarar o desconforto de algumas posições sentindo que a gente se ajeita, que o incômodo se assenta e, se tivermos paciência, muitas vezes, se dissolve. Puf! O problema acaba simplesmente porque a gente não acha mais que ele é um problema. Como me disse esta semana, meu professor, Anderson Mendes: “O equilíbrio é conseguir rir do desequilíbrio.”
Você tem conseguido? Eu confesso que, muitas vezes, não.
Achei as brechas, consigo respirar nas frestas.
Mas quero transformar o caminho. Quero ver a minha transformação refletida na rotina.
Abandonar o cansaço e encontrar a alegria em cada passo.
E, você? Anda querendo algo parecido?