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Verdadeira Natureza, por Mariana Ferrão

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Mariana Ferrão é jornalista, palestrante e CEO da Soul.me, empresa especializada em bem-estar, qualidade de vida e desenvolvimento humano. Aqui, marca um encontro quinzenal com as leitoras - e consigo mesma
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23 anos sem ela

“Mãe é não morrer” porque ela segue viva dentro de mim, dos meus filhos e até dentro deste carinho peludo que recebo da gata

Por Mariana Ferrão
10 Maio 2022, 08h46
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  • Não sei se é o vento. Não sei se é a luz dourada do começo do outono. Não sei se são as folhas que formam tapetes que colorem as calçadas estreitas de São Paulo…Talvez seja tudo isso junto que me deixa melancólica entre 13 de abril e 14 de maio. Foi exatamente neste período em que minha mãe sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e ficou hospitalizada até morrer, em 1999.

    No dia em que ela entrou na UTI, já em coma, eu me lembro de ter passado pela brinquedoteca do hospital e ter sido invadida pelo pensamento mais doloroso que já tive: “Minha mãe não vai conhecer meus filhos”. Foi um punho fechado no peito. Até ali havia contido o choro; depois desisti para sempre de tentar segurar.

    Há 23 anos eu vivo uma saudade repetitiva, por vezes, torturante: o mesmo nó preso na garganta, o aperto entalado no peito, os olhos marejados a olhar o horizonte e a buscar a lua ou as estrelas na tentativa de vê-la em algum lugar do céu que nos separa nestes planos misteriosos, na distância intransponível entre a vida e a morte.

    O luto prega peças na gente o tempo todo. A memória falha e, de repente, a gente acha que já não se lembra da voz, do cheiro, muito menos consegue imaginar como seria uma conversa com alguém que se foi há tanto tempo, numa época tão diferente das nossas vidas.

    Mas como uma onda repentina num mar calmo, as lembranças se avivam o tempo todo e nos derrubam sem aviso prévio. A letra em um caderno antigo, um brinco perdido na caixinha de bijuterias, o espremedor de alho que suas mãos apertavam antes do arroz ir para a panela e pronto: o tempo, já sempre relativo, se torna irrelevante quando a tristeza nos inunda em tsunami.

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    Sinto que as camadas da falta são sítios arqueológicos que descubro a cada ano em meu próprio território. Lembro de uma frase que meu pai me disse logo depois que ela morreu: “Ainda bem que a gente não se dá conta de uma vez só de tudo que uma morte significa”. E é bem por aí mesmo: quando minha mãe morreu eu ainda estava na faculdade, não sabia o quanto ela ia fazer falta no dia do meu casamento porque ainda não pensava em casar, não imaginava como eu ia precisar dela para falar sobre meu trabalho porque ainda não tinha uma empresa, não podia pensar o quanto ela ia gostar de algumas amizades que só fiz depois que ela já não estava mais por aqui fisicamente…. À medida que o tempo passa e sopra no nosso ouvido os sussurros da saudade, vai retirando a areia destes fósseis soterrados com aquela perda. Vamos descobrindo um tesouro doído e tentando montar uma vida equilibrada nas peças que guardamos do tempo em que ainda convivíamos.

    Como disse Clarice Lispector: “Mãe é: não morrer.” E agora que escrevo, neste exato momento, minha gata, a Sombra, acaba de entrar no meu escritório com seu miado que imita perfeitamente uma filha me chamando de “mamãe”. Ser mãe é acreditar na magia, porque simplesmente toda mãe é canal de milagre – dar à luz e receber na mesma medida. Não apenas no parto, mas também na hora de partir.

    A ausência tremenda que sinto da minha mãe tem a mesma proporção da presença dela dentro de mim. Por isso, ainda que em todo outono eu chore muito (e, às vezes, também na primavera, no inverno e no verão), eu honro cada lágrima como uma gota do amor infindável que a vida me deu. “Mãe é não morrer” porque ela segue viva dentro de mim, dos meus filhos e até dentro deste carinho peludo que recebo agora da Sombra no meu ombro esquerdo. Mãe é não morrer porque toda mãe – presente, ausente, doente, carente – é fonte de vida.

    E se eu pudesse ter só mais uma conversa com a minha mãe, eu ia dizer que hoje entendo que ser fonte de vida às vezes cansa, e muito! Eu não tive tempo de agradecer pelas noites em que ela ficou do meu lado quando tive pesadelo, por todas as vezes que desembaraçou meu cabelo ou secou delicadamente os espaços entre meus dedinhos do pé. Não tive tempo de agradecer pelas canções de ninar, por ter me deixado na cozinha mesmo quando eu mais atrapalhava do que sabia ajudar, por descrever para os médicos os meus sintomas melhor do que eu mesma. Mas eu também ia dizer que tive tempo de reconhecer – ainda bem – que o melhor presente que ela me deu foi um sorriso largo sempre disposto a ajudar e a certeza de que mesmo tentando acertar, ia errar porque sabia que era apenas humana. Por todas e para todas as mães humanas, hoje eu agradeço!

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