Confesso que estava em setembro falando em uma sessão de análise: “O ano acabou e eu não fiz nada”. A analista me devolve em uma palavra: “Primavera”. Em setembro, plena primavera, e eu estava ali achando que não tinha sido o meu ano. Afinal, eu tinha muitos planos na virada para 2023 que queria concretizar, num sentido de urgência de fazer enquanto é tempo.
Eu não sou de retrospectivas de fim de ano, mas lembro que finalizei 2022 usando toda a minha ansiedade para cocriar (risos) um 2023 cheio de noias.
Primeiro imaginei que, se eu não fizesse alguns dos projetos que idealizei, eles não aconteceriam mais, porque eu estaria velha demais para (complete aqui o que quiser).
E daí, quando eu não estou atenta, a lógica linear, que nos é vendida como normal, quase me pega. A ideia de performance e de que se você não plantou uma árvore, teve um filho ou escreveu um livro, você não fez nada.
Uma certa angústia de querer apalpar a transformação do tempo em matéria, mensurar a produtividade e, mais, fazer acreditar que tem um “tempo certo”. Se você não realizar isso ou aquilo, então, acabou.
Proliferam os coachs, as fórmulas mágicas, os aplicativos e os discursos de que só basta você querer para conseguir. Enquanto eles dormem, você trabalha. Caraca, a gente já trabalha enquanto eles dormem, é só se inteirar dos números da economia do cuidado.
Sobre fórmulas mágicas de produtividade e estética, este ano viralizou bem forte a tendência da Clean Girl, que tem uma agenda própria, detalhada no Tiktok de minuto a minuto para conquistar o visual polido perfeito, cabelo controlado, pele impecável, o drink instagramável, a casa minimalista, o corpo magro e jovem e as roupas em tons de bege. Tanta coisa para controlar e fazer em nome da performance.
Ontem eu abri um vídeo de uma mulher que usava cabelos longos. Ela dizia que, quando chega “uma certa idade”, é comum que a sociedade não veja com bons olhos a pessoa que mantém o cabelo abaixo dos ombros.
Claro, como ela pode ter a audácia de usar um estilo de cabelo designado para mulheres jovens? É como se ela quisesse enganar a todos com essa artimanha. Não há nada mais etarista do que ter “uma certa idade” para poder fazer qualquer coisa, mas a gente segue ouvindo isso.
A passagem do tempo, de acordo com a nossa sociedade, é algo que devemos combater, a qualquer custo, e minimizar suas marcas. Ao mesmo tempo, porém, se você quer deixar o cabelo longo ou pintá-lo ou usar batom vermelho ou começar um projeto ou engatar um namoro ou se separar ou ter filhos, você já passou de “uma certa idade” para isso.
O fato é que nossa sociedade não lida bem com mulheres e com a passagem do tempo. Sim, todo o valor da mulher foi construído em cima do capital da beleza e de um período da vida dela no qual sua capacidade reprodutiva valia o passe.
Reforço aqui que hoje, com a estimativa de vida das mulheres no Brasil de 80,5 anos, nós vivemos quase metade da nossa vida pós-climatério. É pelo menos metade da nossa existência fora do capital sexual que determina o nosso valor.
Então, é preciso lembrar que o valor da passagem do tempo está totalmente recortado pelo gênero e pelo capitalismo. Eu escrevo isso aqui porque chega dezembro e a gente começa a contar o que fizemos ou fazer planos para o ano que vem, já determinando em marcos o que precisamos e queremos realizar.
Tudo bem ter planos e conseguir concretizá-los, mas é importante recordar que estamos imersos nessa cultura da produtividade e performance. Não fazer nada grandioso não significa que as realizações não tenham importância dentro de você.
Eu queria encerrar o ano dizendo que não dou mais conta dessa agenda que determina quando é “uma certa idade” (ou o tempo certo) para tudo.
De repente, em pleno dezembro, comecei a entender: tudo que fiz não entra na conta da produtividade do capitalismo. A sensação de fracasso anual que setembro me trouxe, se não fosse a terapia, quase me convenceria de que foi um ano perdido.
Viva 2023, um ano de transformações silenciosas tão profundas!