Uma leitora minha me escreveu esses dias dizendo que eu não finalizava a reflexão dos meus textos desta coluna, que “eles falhavam ao não concluir o assunto”. De fato, o tema que me proponho a dialogar por aqui não tem solução — como, acredito, vocês já devem ter percebido. Se eu conseguisse elaborar um raciocínio final a respeito da hipersexualização de jovens no TikTok ou da massa de manobra cruel que é o patriarcado-capitalista, não faria nem sentido escrever isso aqui mensalmente. São questões que estão acontecendo no agora, enquanto respiramos, enquanto você me lê; questões que ainda não temos o distanciamento histórico necessário para concluir alguma coisa.
Claro que isso não ia ficar de lado. Por isso, me resguardo a partir de outras pensadoras, bell hooks, nesse caso, que comenta sobre a linguagem no texto “Ensinar novas paisagens”, para entender onde eu quero chegar — se eu chegar, né? Dominar o texto, o assunto e a leitura é coisa de branco colonizador. Eu, imersa na indústria da beleza e estudando questões de gênero, só posso te dizer que cada dia eu sei menos, cada dia eu quero deixar espaços de não compreensão para que eles possam ser construídos no seu tempo.
Faço um paralelo: todos os dias, vemos uma nova técnica de maquiagem viralizar, uma trend surgir, uma nova influenciadora — cada vez mais jovem — substituir a anterior. Me lembro do auge da maquiagem reboco do Instagram, com aquela técnica chamada cut-crease. Quando vi aquilo pensei que, talvez, eu não soubesse maquiar. “Não sei fazer isso aí”, disse a mim mesma.
De fato, precisei de tempo para analisar o que estava acontecendo e o meu incômodo com a frequência que os tais cut-creases apareciam. Cheguei a despertar a ira de influenciadores de beleza quando levantei a hipótese da técnica ser mais uma coisa artística do que uma maquiagem de vida real. E me incomodava que era sempre um apagar-tudo-para-reconstruir um novo desenho de olho, padronizando a maquiagem de um jeito nunca antes visto. Parecia que era obrigatório passar corretivo e recortar o côncavo com sombra, de forma bem marcada, quase que na faca. Isso me fez pensar se avançamos nessa padronização com as redes sociais ou se tivemos chance de pluralizar estilos de maquiagem. O que você acha?
Quando a gente vê ou
tenta algo novo e não
consegue atingir a
excelência esperada,
começamos a duvidar
da nossa capacidade
Foi preciso um espaço de quase dez anos para que eu pudesse preencher os vazios da técnica que eu não sabia e conseguisse executá-la de outro jeito, respeitando os traços existentes, sem descaracterizar ninguém.
O que eu quero dizer com isso? Talvez a gente não tenha que dominar tudo. Muito desse sentimento, às vezes, nos faz sentir impostoras. E quando a gente vê ou tenta algo novo e não consegue atingir a excelência que é esperada (por quem?), começamos a duvidar da nossa inteligência ou capacidade.
Pois vou te contar que a estrutura social que nós, mulheres, estamos imersas foi construída para que a gente sempre sinta que não temos capacidade. Desde a Revolução Francesa, a mulher foi considerada incapaz, alguém que precisava da tutela do marido ou do Estado para decidir sobre a sua vida. A minha ideia para esse mês, então, é escutar bell hooks: “eu proponho que nós não precisemos necessariamente ouvir e saber o que é enunciado em sua totalidade, que nós não precisemos ‘dominar’ ou conquistar a narrativa no todo, que nós possamos conhecer em fragmentos”. E isso não significa saber menos.
Vai começar uma nova faculdade, um curso, uma leitura ou até uma maquiagem? Se agarre no que essa mulher escreveu. A gente cria nos espaços, nos vazios, e é preciso tempo para elaborar, coisa que a sociedade dos 15 segundos tenta nos convencer do contrário.
Para finalizar, afirmo que não tenho desfecho adequado para padrões de beleza, redes sociais, filtros, softporn disfarçada de dancinha, aumento no caso de distúrbios alimentares entre adolescentes, mercado da influência, dismorfia corporal, futuro da beleza ou qualquer outro assunto que eu tenha escrito aqui. Eu só quero que esse espaço possa ser um fluxo de ideias, fatos, inquietações, perguntas, pensamentos sobre tudo que nos toca e que, muitas vezes, é entendido como “normal”.
Que a gente possa criar possibilidades para combater opressões a partir das brechas. Aliás, deixarei algumas aqui para reverberar por aí e você mesma completar. Combinado?