Lá vamos nós no mundo da beleza para mais um termo importado, o “anti-ageing” — para nós, seria o nem bom e nunca velho antienvelhecimento. No espaço desta coluna, gosto de fazer uma costura entre o que aconteceu quando tudo começou e o hoje, para que a gente possa, juntas, traçar uma linha do tempo e fazer essa reflexão de onde estamos pisando.
O conceito anti-ageing surgiu em 1987, batizando um produto que combinava proteção solar com hidratantes, antirrugas e antirradicais livres, nascido como o primeiro creme antienvelhecimento. Vamos lá: sim, os raios solares, a poluição, o estresse (em resumo, a vida) causam o envelhecimento precoce da pele, que é diferente do processo natural de envelhecimento do corpo humano. O que fizeram com essas duas frentes foi misturar uma na outra como se ao “combater” o primeiro fosse possível reverter o segundo. Tudo vendido num creme mágico.
A indústria dos cosméticos estava parada após avanços das pautas minoritárias e seus levantes durante as décadas 60 e 70. Segundo Susan Faludi, “desde a ascensão do movimento feminista nos anos 1970, as empresas de cosméticos e fragrâncias passaram uma década inteira registrando uma vertiginosa queda nas vendas”. Ou seja, muita gente estava triste com o fato de que mulheres começaram a questionar os padrões de beleza e a reagir a isso.
Mulheres, aliás, passaram a falar abertamente de como se sentiam e a unir-se em grupos, e entenderam que o que elas sentiam não era um caso isolado, mas, sim, uma construção do sistema que as oprimia. O contra-ataque dos anos 80 e 90, que Susan menciona no livro Backlash, trabalhou arduamente pela construção de um padrão de beleza que persuadia mulheres. “Elas eram pacientes em estado grave — a profissionalização delas era a responsável pelo seu adoecimento.”
Era quase como se a indústria dos cosméticos dissesse que a mulher estava envelhecendo mais rápido porque se meteu a querer ter uma carreira e decidir sua vida reprodutiva, tal qual faz um homem. Isso teria um preço, afinal a proposta estadunidense dos anos 1950 foi das mulheres ficarem nos subúrbios sendo donas de casa (dopadas) e “felizes”, cuidando de seus maridos, casas e prole e consumindo eletrodomésticos. “Como vocês, mulheres, podem querer mais que isso?”, pergunta o patriarcado. Era como se as conquistas profissionais tivessem comprometido nossa beleza. “A igualdade criou rugas e celulites”, diz Susan.
Necessitamos, assim como as mulheres dos anos 60 e 70, nos unir em conversas, leituras, discussões e entendimentos de que o padrão de beleza estará sempre presente.
Não demorou para as revistas de moda, beleza e comportamento entrarem na onda. Como se você, adulta na sociedade, tivesse que correr atrás do prejuízo. Quer ver isso bem desenhado? Só maratonar a série Physical, da Apple TV, que já citei aqui.
De lá para cá, o anti-ageing só se multiplicou, na vida e na pia do banheiro (o creme e toda a ansiedade em torno disso). E ele chega com perguntas: “Com quantos anos começar?”, “Quais os melhores ativos?”, “Quantas vezes ao dia?”, como se fosse possível beber da fonte da juventude.
Inclusive, em uma época pré-pandêmica, havia uma movimentação para buscar um substituto para o anti-ageing, uma vez que não existe fórmula que seja anti envelhecimento, pois é impossível parar a passagem do tempo. Dessa discussão, surgiu o nome pro-ageing, na tentativa de clarificar que os anos irão passar, então que tal tirar o melhor disso pensando na longevidade e na redução dos impactos? — Você acha que esse debate avançou para as prateleiras? (contém ironia).
No processo de envelhecimento, a pele vai ser a ponta do iceberg do reflexo de uma vida com boa alimentação, rotina, exercícios e genética. E mais: envelhecer é natural, não uma doença, não precisa ser combatido.
Necessitamos, assim como as mulheres dos anos 60 e 70, nos unir em conversas, leituras, discussões e entendimentos de que o padrão de beleza estará sempre presente. Ele nos isola e nos faz pensar que esse sofrimento é individual, quando, na verdade, não é. Ele age como uma sombra sobre as nossas cabeças, nos fazendo acreditar que basta se esforçar um pouco mais, controlar um pouco mais, gastar um pouco a mais e tudo dará certo.
Vamos passar uma vida rendidas a essa lógica ou vamos desatar esses nós para a nossa geração e de nossas filhas?