A mulher mais linda: a Miss Mundo e o padrão de beleza
Nem a Miss Mundo parece estar livre dos padrões inatingíveis de beleza. E isso é extremamente cansativo
Sem cair no truque de que a beleza está nos olhos de quem vê: o que faz a mulher mais linda do mundo ser a mulher mais linda do mundo? Eu nem deveria fomentar esse tipo de competição. Mas estou aqui, querendo saber dela, quando, na verdade, deveria escrever que todas são lindas do seu jeito, que a beleza é plural e não única, ou que passou da hora da gente parar de achar que a vida é um concurso e aceitar as nossas diferenças. “Bora galera, mulheres, vamos ali destruir o padrão de beleza opressivo, eurocentrista e eugênico!” Chuva de likes e palmas para a fada sensata que eu sou. Só que, não.
Por mais que eu saiba que isso nos atravessa, nos recorta para cabermos num lugar bem pequeno, nos faz sofrer; por mais que eu faça todas as reflexões, não importa para onde eu olhe, eu só enxergo ele: o padrão. No shopping, no show da cantora favorita da minha filha, na modelo da campanha, no celular, no anúncio da operadora de internet. Todo amanhecer, uma nova oportunidade para ele, silenciosamente, me julgar.
Veja, a candidata ao concurso de Miss Mundo, a inglesa Melisa Raouf, estava concorrendo à etapa Miss Inglaterra sem o uso de maquiagem, coisa que nunca aconteceu na história do evento. Pareceu uma boa ideia dizer às garotas que “não precisamos de maquiagem para nos sentirmos bem”. Ela, detalhe, é jovem, de olhos claros, pele alva e lábios carnudos. A mensagem é cheia de boas intenções, “nós temos uma escolha” — mas será mesmo? Já estava pronta para dizer “ah, mas para você é fácil, né gata?”, com uma mão na cintura e a outra segurando a xícara de café… Até rolar o feed do perfil dela e achar uma postagem onde a moça está maquiada e visivelmente com dentes clareados em algum app de edição, entre outras fotos com filtros.
Pois essa própria que eu estava prontinha para julgar disse também se sentir “significantemente insegura” e descobriu que se comparar ao “padrão irreal de beleza” tinha impacto negativo em sua saúde mental. Ninguém, portanto, está completamente livre do tal padrão, nem a concorrente do concurso da mulher mais linda do mundo.
Não acredita em mim? Bom, Sharon Stone compartilhou que terminou a sua relação com a toxina botulínica (o famoso botox). Ela, a mulher mais linda do mundo, disse: “Eu sinto que nós ficamos invisíveis quando nos tornamos mães e/ou quando temos mais de 45 anos. As pessoas passam por você como se você não estivesse ali”.
Quem nunca sentiu uma pontada dessa invisibilidade que a nossa comadre Sharon disse? E mais: quem quer ser invisível na cultura mais visual do mundo? No século 21, a beleza passou a ser responsabilidade de cada um, um bem e até um direito a ser adquirido. Isso nos trouxe a uma situação em que até as mais lindas do mundo têm um “antes e depois” de procedimentos estéticos em qualquer busca de imagens na internet.
Se para elas está difícil, imagina para nós, que ainda vivemos no país com o maior número de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos no mundo. E não há como negar: para onde quer que eu olhe, apenas um tipo de beleza é aclamada. Porém, enquanto consumirmos essas imagens sem questionar, sem falar sobre, sem exigir mudanças, ele, o padrão, vai seguir nos assombrando. É preciso esforço, não para entrar nele, mas para gritar (ou falar baixinho), como Melisa e Sharon, que há muito desconforto em ser a mulher mais linda do mundo.