Sonho com o dia em que os compromissos comigo mesma serão por mim percebidos como momentos verdadeiros de satisfação e prazer. Digo isso porque, embora de certa forma já sejam, ainda preciso de esforço interior para validá-los, diante do desafio de colocar o que é importante para mim como prioridade. Quando foi, afinal, que aprendemos a olhar para nossas necessidades pessoais sob a perspectiva do que é imprescindível?
Se é o valor que damos às demandas o que nos faz estabelecer a hierarquia entre elas, tudo começa a se complicar. O que tem ou não tem valor na atualidade? Estudar, ler, maternar? Trabalhar, ter saúde, bater metas? Empreender, desacelerar? Treinar, meditar? Ser independente, criar com apego? Ter calma, correr riscos? Morar no mato, prosperar na cidade? Quantas cordas amarradas em nós nos esticam em direções aparentemente opostas?
“Meu lugar é o lugar que eu quiser”, repito. Mas será que sei o que quero ou quero sempre (e sempre) mais do que é humanamente possível? Lembro-me de que o desejo também serve como combustível ao capitalismo e, nesse sentido, também à exaustão – palavras que devem ter algum grau de parentesco etimológico inusitado. Primas, talvez? Sim, capitalismo e exaustão: primas-irmãs enredadas na lógica de uma sociedade de consumo que não sobreviveria sem nossas vontades contraditórias.
Nessa disputa interior por uma conciliação impraticável, estabeleço uma meta: transformar o que ainda vejo como obrigação (fazer exercícios, comer ou dormir bem, meditar) em algo que faço exclusivamente por prazer e de maneira integrada à minha vida. Por ora, percebo as resistências internas. Estou consciente de que mudanças profundas, como essa, não se dão ou se darão ao acaso. Devem ser semeadas e, em certos casos, perseguidas pelo espírito da autodeterminação, tomada de consciência e intenção.
Reconheço que aos poucos, muito lentamente, avanço na ocupação destes novos espaços pessoais. Sem deixar de observar meus ardilosos movimentos de relutância, adiamento, abandono, negação. Sei que pra seguir numa direção mais saudável e equilibrada é preciso persistir. Por isso, me concentro nas retomadas. E se ainda me vejo desejando e desistindo, é porque o valor que atribuo ao bem viver ainda não basta para sustentar minha motivação ou, pelo menos, demanda um esforço desproporcional.
Hoje a decisão de retomada segue diária, e mais efetiva do que qualquer disciplina, promessa ou penitência. Se for preciso, retomarei novamente amanhã. Até que novamente e sempre se tornem de vez em quando e, então, eventualmente. E eventualmente seja pontual, depois esporádico. Até que passe a raramente, quase nunca, nem me lembro… Até que, então, eu sinta no corpo a materialidade leve do prazer e da fruição – materialidade essa que a disposição à retomada há de impregnar em mim.