Outro dia me deparei com uma frase que dizia: “O lugar mais visitado do mundo é o fundo do poço, mas ninguém faz selfie lá”. Fui impactada de imediato por esses dizeres. Eles têm tudo a ver com os nossos tempos, em que as redes sociais se tornaram onipresentes ao ponto de haver pessoas que têm uma vida à parte no universo de Instagram, YouTube, Twitter, TikTok e outras plataformas. Elas estão felizes, bonitas, saudáveis e despreocupadas – mas só lá.
Eu até me pergunto se é possível maquiar tão bem a realidade postando freneticamente do começo ao fim do dia. E, refletindo a respeito, cheguei à conclusão de que sim. Basta um ângulo diferente na foto, uma meia verdade contada aqui ou um vídeo de arquivo publicado ali para apresentar uma realidade mais cor-de-rosa, mais feliz e tão perfeita quanto as curvas e cútis produzidas pelos filtros. Não se vê pessoas com mal-estar, deprimidas e à base de calmantes e ansiolíticos. Talvez porque não haja ninguém querendo realmente ver isso na rede.
Quão animados ficaríamos para entrar no perfil de uma pessoa triste, no fundo do poço? Compreendo que, para algumas pessoas, estar nas redes é a forma de mostrar seu trabalho, ganhar dinheiro e fazer carreira. Mas será que não estamos passando do ponto? Será que não estamos dando atenção demais para a vida contada e deixando de dar atenção à vida a ser vivida? Falei sobre isso com o terapeuta Joaquim Cristóvão de Oliveira.
Segundo ele, as pessoas começaram a dar destaque para esse mundo fake, tentando provar, mesmo inconscientemente, que suas vidas são assim. Não é por acaso que há tantos exemplos de personalidades que entraram em depressão logo depois de atingirem a fama. “Chega uma hora em que o personagem começa a ficar muito mais importante do que a pessoa, o que causa dor. Seguir postando torna-se um alívio momentâneo, por isso que a pessoa vai querer publicar mais e mais”, explica.
De acordo com o terapeuta, o problema não está na exposição das redes sociais, mas na confusão de começar a acreditar que aquela imagem é a própria identidade. As pessoas costumam confundir o que são com o que fazem, tanto que é comum perguntar a uma pessoa quem é ela e a resposta ser sou médico, sou professor, sou empresário ou qualquer outra profissão. “O que fazemos é uma escolha para um determinado momento, que pode ser mudada quando bem entendermos. O que somos tem muito mais a ver com as nossas raízes. Por isso o trabalho de autoconhecimento é tão importante”, afirma.
Ele revela que o processo de autoconhecimento envolve fazer algumas incursões pelo fundo do poço. “Dentro da visão de autoconhecimento, de estar se aprimorando, é natural que todos passem por um lugar sombrio e de questionamento, mas isso nem sempre é ruim”. Muitas pessoas associam o fundo do poço com a depressão. Mas, na verdade, estar lá representa também o ponto da virada, o momento da reação.
Para o terapeuta, “é quando a pessoa entende que precisa reagir e fazer algo, seja transformar ou resolver uma situação”. Segundo Joaquim Cristóvão, as pessoas que ficam muito tempo no fundo do poço sem reagir são aquelas que acreditam que ainda estão caindo. Estão olhando só para baixo, quando deveriam olhar para cima, para a luz. Da próxima vez em que me sentir no fundo do poço, vou seguir esse conselho: olhar para cima, pegar o impulso e reagir. E, quem sabe, não tiro uma selfie por lá? 😊