O mês de julho chegou e, com ele, muitos jovens de escolas particulares entraram em férias. A novidade, desta vez, é que não podemos viajar, visitar amigos ou mesmo dar uma voltinha por aí. Com a quarentena, crianças, adolescentes, pais e responsáveis estão tendo que se reinventar para planejar o tempo livre.
Na última coluna, já dei algumas dicas de atividades criativas para fazer durante o período sem aulas. Mas hoje quero falar especificamente sobre um tipo de iniciativa que, além de extremamente necessária, pode ser muito enriquecedora para a vida de todos os envolvidos. O assunto é a prática de reunir jovens que vivem em realidades privilegiadas para dar aulas àqueles em situação de pobreza – e, diversas vezes, com dificuldade para estudar durante a pandemia.
Como sabemos, muitos estudantes brasileiros não têm fácil acesso à internet em casa ou não possuem aparelhos eletrônicos de grande porte em suas residências – o que faz com que não consigam acompanhar as aulas on-line ou tenham acesso limitado a elas. Uma pesquisa feita pela TIC Educação, divulgada no dia 6 de junho, mostrou que 39% dos estudantes de escolas públicas urbanas não têm computador ou tablet em casa. Além disso, o levantamento apontou que 30% dos domicílios do país não possuem acesso à internet.
Somado a essas questões, podemos citar outros problemas que dificultam o estudo desses jovens, como o fato de muitas casas serem pequenas e não terem saneamento básico, e de muitos estudantes não poderem contar com a ajuda de professores ou responsáveis para esclarecer suas dúvidas.
Diante desse cenário, não seria interessante estimular os jovens mais privilegiados, que estão de férias e têm acesso ilimitado à internet, a ajudar os menos favorecidos a estudar? Em São Paulo, por exemplo, os alunos de escola pública tiveram férias entre abril e maio, o que significa que estão em aula durante o mês de julho. Como muitos jovens de escolas privadas entraram em férias agora, eles poderiam aproveitar o tempo livre para ensinar e tirar dúvidas dos estudantes nas mais diversas disciplinas.
Tudo precisa ser feito a distância, é claro. Na escola onde meus filhos estudam, um colégio particular de São Paulo, isso já está sendo feito há duas semanas. Os jovens que passam por dificuldades receberam tablets, computadores ou chips que garantem um bom acesso à internet. Assim, os estudantes conversam com os alunos do colégio particular por meio de uma conta criada pela instituição em uma rede social. Todo esse processo é feito com o acompanhamento de pedagogos para evitar que tanto um lado como o outro sejam lesados de alguma forma.
Embora o projeto ainda esteja no início, o colégio já conseguiu reunir 30 jovens entre 10 e 16 anos para dar aulas para 30 alunos da mesma idade. Com isso, quem vem de realidades mais desafiadoras consegue tirar dúvidas e passa a ter mais facilidade para acompanhar os conteúdos escolares. Ao mesmo tempo, os alunos de cenários privilegiados aprendem o valor de ajudar o outro e de manter compromissos – os pedagogos reforçam constantemente a importância de levar a iniciativa a sério, sem desistir no meio do processo e deixar o outro “na mão”.
De quebra, todos ganham novos amigos. Além de falar sobre as disciplinas, eles podem conversar sobre a rotina, trocar confidências, dar apoio emocional… Quem sabe, quando a pandemia passar, não possam se encontrar pessoalmente e dar um passeio? Precisamos quebrar os muros invisíveis que separam as classes sociais no Brasil, e essa iniciativa pode ser um primeiro passo em direção a isso.
Assim como a escola dos meus filhos, outros grupos e organizações estão se mobilizando para desenvolver projetos de auxílio aos estudos durante a pandemia. É o caso do programa Mentoriza, projeto que está no terceiro mês de atividade e que já conectou diversos “mentores” a “mentorandos”, como são chamados.
Em um primeiro momento, o programa realizou um processo seletivo para selecionar jovens que tivessem conhecimentos avançados em determinadas disciplinas escolares e que demonstrassem interesse em ajudar vestibulandos que tiveram os estudos impactados pela pandemia. Depois de selecionado, cada voluntário foi conectado a um aluno. Assim, mentor e mentorando estudam juntos: realizam aulas semanais, tiram dúvidas pelo WhatsApp, conversam sobre assuntos diversos. O programa também oferece treinamentos virtuais para os mentorandos e lives motivacionais para voluntários e alunos inscritos no projeto.
Resumindo, o meu ponto é: com um pouco de esforço e dedicação, podemos quebrar barreiras e ajudar os jovens que mais estão sofrendo com essa pandemia. O começo pode ser simples, sem grandes burocracias. A criança ou adolescente pode apoiar um estudante conhecido que vive em situação de vulnerabilidade. Pode ser o parente de um amigo, alguém indicado por uma escola do bairro… Enfim, há inúmeras possibilidades.
Tenho certeza de que uma atividade como essa pode tornar as férias na pandemia, aparentemente chatas e monótonas, em algo muito mais divertido, produtivo e enriquecedor. A educação agradece.