Essa semana, a escritora e apresentadora, Rafa Brites, declarou nunca ter sido vítima de traição porque nunca exigiu fidelidade. Nos stories em resposta à pergunta de uma seguidora, complementou dizendo que “quem trai as próprias escolhas é que está em desarmonia consigo mesmo”. Rapidamente a afirmação tomou conta das redes sociais, revelando que infidelidade é um tema que cutuca partes ainda bastante sensíveis da nossa sociedade.
Sim, traição também é um assunto que demanda olhares atentos para a forma como nos estruturamos social e culturalmente. Isso porque o que sentimos diante da possibilidade da traição também tem origem em como entendemos os relacionamentos e a monogamia. A nossa percepção sobre a relação ideal é resultado de alguns séculos de imposição de valores cristãos e patriarcais.
Quando nos imaginamos em um relacionamento perfeito, é comum esperarmos que nossa parceria deixe automaticamente de desejar qualquer outra pessoa. Ansiamos ser protagonistas da vida desse alguém que, ainda por cima, precisa ser para a vida toda. Entre muitos casais, até o pensamento do parceiro ou parceira precisa ser vigiado. “Tá pensando em quê?”, logo pergunta um dos dois ao menor sinal de silêncio injustificado.
A ideia de ser traída é desesperadora porque coloca em risco nossos desejos de relacionamento e o que acreditamos sobre o amor. Deixa escapar uma verdade difícil de digerir: não somos o encaixe perfeito de ninguém.
Entretanto, preciso discordar da Rafa Brites sobre “trair as próprias escolhas”. Quem trai talvez, na verdade, tenha mesmo abraçado as próprias escolhas. A questão não mora aí.
É verdade que toda parceria requer acordos. Mas como crescemos imersos numa cultura em que o amor é pautado pela exclusividade sexual e afetiva, nos acostumamos a não questionar o que significa trair ou ser traída. Não nos permitimos cogitar a chance da infidelidade não ser algo relevante. Deixamos implícitos acordos que urgem por diálogo e corremos o risco de nos sentirmos traídas por situações que nunca foram discutidas.
Falar sobre infidelidade toca nessa ferida tão aberta, tão exposta e, ao mesmo tempo, tão profunda. Um machucado que não pode ser abafado ou simplesmente ignorado. Uma ferida que só pode ser tratada quando vista e cuidada, na gente e na sociedade.