Onde cabe o nosso prazer? Onde entra a sexualidade feminina e a quem serve essa eterna dúvida sobre o nosso lugar nessa história? São esses os questionamentos que pairam sobre mim enquanto leio a mensagem de uma ouvinte, sobre o seu relacionamento de 30 anos.
Ela escreve enfurecida. Ao descrever uma mulher de negócios que, depois de um dia estressante, chega em casa cansada, questiona: “sexo ardente com o marido?”. É mesmo de se enfurecer a impossibilidade de sermos profissionais respeitadas e ao mesmo tempo vivermos nossa sexualidade livre de amarras. Talvez, de um modo simplificado, ela estivesse descrevendo os conflitos entre o que Freud chamou de id e superego. Uma disputa entre seus desejos e os valores morais repressores da nossa sociedade.
Apesar da infinidade de clipes, imagens e vídeos de mulheres empoderadas e sem medo de mostrar o corpo, falar sobre sexo e encorporar a femme fatale disponíveis nas redes sociais e em qualquer outro veículo de comunicação, algo parece estar fora do lugar. A verdade é que ainda associamos essa imagem a um tipo muito específico de poder. Um poder mítico, que até cabe no nosso imaginário de mulher decidida, forte e rica. Mas que se limita a perfis de celebridades e que raramente extrapola essas esferas, ou não é legitimado quando o faz.
Como é que cabemos por inteiro, então? Se não podemos falar sobre nossos desejos fora do contexto sexual sem que isso não nos traga prejuízos profissionais, devemos silenciar a sexualidade pulsante que nos habita? E se o que se espera no sexo é performance, devemos então deixar de lado nossas fantasias românticas?
Nesse cenário que a ouvinte narra com precisão, parece mesmo que não temos saída. E ainda corremos mais um risco: sermos cobradas de tudo isso ao mesmo tempo. Se gozamos, então nos sentimos culpadas. Se não conseguimos ter um orgasmo, não somos feministas o bastante. Se fazemos pouco sexo, somos insuficientes. Se transamos bastante, talvez estejamos colocando a energia no lugar errado. E quando colocamos a energia no trabalho, nos tornamos mães e esposas desatentas. Se não trabalhamos fora de casa, somos dependentes. Se estamos satisfeitas em todas as esferas da vida é porque estamos mentindo.
Nunca será o bastante para eles. Não conseguimos nos encaixar nesse ideal de mulher porque ele é criado para que jamais nos encaixemos. E é por isso que a busca deve ser pela nossa inteireza, uma palavra que uso com frequência por aqui.
Porque quando estamos inteiras, sabemos o que nos é valioso, onde queremos chegar e com quem optamos seguir. E é nessa posição, em que nos permitimos simplesmente ser, que rompemos com o acordo que coloca nossa sexualidade em um não lugar.