João amava Teresa, que amou um dia Raimundo que também amava Maria, mas não havia esquecido Teresa. Maria amava Joaquim, que amava João, que seguia machucado porque Teresa foi para o convento. Maria escolheu seguir amando a si mesma. Mas todos carregavam consigo os amores de outros carnavais.
Há quem tenha medo de voltar a se relacionar depois de um término conturbado. Há quem engate uma relação na outra. Independente dos moldes relacionais ou de como decidamos lidar com os nossos afetos, nenhum relacionamento parte do zero. Nenhuma relação que seja começa livre de gatilhos, memórias, traumas de relações antigas. Dizer o contrário é mera ilusão.
“Mas eu não sou seus exes”, exclamou minha namorada em uma discussão qualquer, dia desses. Ela, de fato, não é. Mas eu sigo sendo a pessoa que se relacionou com os meus exes e que, agora, se relaciona com ela. O que eu vivi não desapareceu do dia para a noite. Os hábitos que desenvolvi para dar conta das relações antigas, também não. Nem os medos, as preocupações, as respostas automáticas. E, ainda que eu tenha feito terapia, ainda que tenha processado, refletido, mudado, a minha história segue aqui. Ainda bem que sim. Imagina perder essas tantas páginas de vida. Essas tantas descobertas sobre mim mesma.
Não dá para resetar nosso histórico romântico afetivo e sequer seria recomendado, salvo algumas poucas exceções, talvez. Lidar com essa bagagem, abri-la para ver por dentro, analisar o conteúdo com discernimento, no entanto, é parte do relacionar-se com maturidade. Dizer com coragem “isso me machuca porque toca nessa ferida” é autorresponsabilidade afetiva. Ouvir, acolher e pensar em saídas respeitosas é responsabilidade afetiva com o outro.
Não é possível amar sem que sejamos responsáveis. Não é possível se relacionar sem abrir-se para a malinha que vem junto, com o acumulado das outras relações. Só assim, João, Teresa, Maria, Joaquim, Raimundo, Lili e até J. Pinto Fernandes, que nem tinha entrado para a história, podem amar por inteiro.