Foi no ápice do isolamento social que me deparei com a necessidade pulsante de romper com amarras antigas e dolorosas. Aqui está um relato desconfortável em primeira pessoa.
Ter como tema de estudo e trabalho as relações, há mais de 3 anos, me levou a entrar em contato com diversas configurações de relacionamentos e a questionar as minhas próprias práticas relacionais em muitas instâncias.
Entrei em contato com as construções machistas que servem de alicerce para a monogamia e até para muitas formas de vivenciar relacionamentos abertos. Tive conversas intermináveis e profundas com o meu parceiro sobre a nossa dinâmica, fiz e desfiz acordos, discuti com ele inúmeras vezes e, por fim, não nos encontramos no meio do caminho.
Não nos encontramos no meio do caminho porque, ao meu ver, não há liberdade em viver pela metade, em ser pela metade e em amar pela metade. Seguimos juntos nessa busca, ainda que ela precise acontecer individualmente.
Aprendi com Nana Miranda que a não-monogamia é sobre política, com a Amanda Palha que existem formas mais generosas de nos organizarmos socialmente e com a Anne Fonseca que é sim possível ter múltiplos afetos com profundidade.
Me debrucei sobre os saberes de mulheres potentes e revolucionárias. Revisitei as minhas sombras. Meu medo da solidão, de ser trocada, de ser esquecida. Eu estive 28 anos da minha vida mergulhada em um mar de medos. Medos que culminavam no ponto central: eu quero me sentir amada e aprendi que o amor é sinônimo de exclusividade, posse e controle.
E é interessante como querer me sentir amada andou de mãos dadas com a proibição de ser amada por mais de um parceiro por vez, não é? É uma dicotomia que só compreendi quando ouvi Geni Nuñes falar sobre a relação da monogamia com a lógica cristã, a partir da qual apenas podemos amar um deus ou seremos rejeitadas do paraíso.
Um longo percurso para confirmar minha suspeita sagitariana: a monogamia não faz sentido para mim. E também não faz para o meu parceiro. Mas abrir a relação para ele, com todo o peso que a nossa sociedade machista coloca sobre a sua masculinidade é ainda mais custoso. Eu tinha duas opções aparentes: manter a relação como estava e evitar a fadiga inerente das mudanças ou terminar uma parceria de 7 anos.
Escolhi uma terceira via. Uma via polêmica e cheia de incertezas. Olhei para os olhos do meu companheiro em uma noite gostosa e disse “eu te libero do nosso contrato de exclusividade, porque não faz mais sentido pra mim. Mas entendo que ainda não possa fazer o mesmo.”
Não, não quero incentivar mulher alguma a fazer o que eu fiz. Até porque esse é um lugar sensível e que pode facilmente virar uma desculpa para perpetuar comportamentos sexistas. Mas neste momento, é muito legítimo para mim.
Eu o liberei. Mas o fiz por mim. Não estou mais disposta a carregar tantos medos na minha bagagem. Quero abrir espaço para me sentir bem comigo mesma, para a autonomia afetiva, para a minha independência emocional. Quero me convidar para ver um filme numa sexta-feira à noite sem ficar com aquela sensação de que tem algo faltando, sabe?
Quero, acima de tudo, colocar a cabeça no travesseiro com a segurança de que estou fazendo parte da construção do mundo em que acredito. Quero romper minhas amarras e seguir escrevendo minha história nada romântica de amor. Enquanto esse acordo contemplar meus anseios, pretendo continuar. Só enquanto isso.