Tínhamos 8 e 9 anos de idade. Eu e minha irmã passávamos alguns dias das férias no trailer das minhas primas que ficava estacionado em um camping. Eu adorava o lugar, a liberdade, a comida que meu tio preparava, as milhares de brincadeiras que ganhavam cenários complexos ali. Mas um incômodo pouco a pouco me sufocava e despertava raiva, inveja e tristeza.
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A cada temporada no camping, tínhamos de disputar a atenção das nossas primas com outras duas meninas que também tinham trailer lá: Bianca e Paloma. Elas tinham piadas internas, brincadeiras em que eram as únicas protagonistas e uma dezena de histórias para contar sobre as aventuras que experienciavam juntas.
Foi nesse contexto que experienciei esse tipo de ciúme pela primeira vez. Essa sensação de insuficiência e rejeição. Essa angústia que circula por cada vaso sanguíneo, que queima o rosto, faz suar as mãos e esvaziar qualquer noção de bom senso. Uma dor visceral que parece romper o peito e desfazer o corpo em pedacinhos. A falta de ar que nos obriga a largar a dignidade no chão e fantasiar pesadelos de olhos abertos.
Me tornei uma pessoa abusiva por conta do ciúme. Vi relações que me eram muito caras terminarem grosseiramente por causa dele. Desejei viver sozinha para nunca mais senti-lo. Até que ele partiu e deixou um buraco em mim.
Pode soar estranho, mas quando nos reconhecemos por tanto tempo em uma característica, deixá-la ir é também um processo de desapego. Foi só em meio a pandemia que consegui de fato abrir mão dessa parte de mim. Precisei viver uma espécie de luto sobre a pessoa que fui por tantos anos. “Como é que se ama sem ciúme? Como se mantém uma relação livre da dependência emocional?”, me questionei.
Em algum momento tive a certeza de que o isolamento social havia colocado o meu ciúme em coma induzido, mas que assim que as atividades voltassem ele despertaria com força total. Mas, ao contrário, sigo sem receber visitas.
O espaço que ele ocupava aqui dentro, ora se preenche de ansiedade, ora de medo, ora de um imenso nada. A verdade é que eu não tive referências de amores livres, leves e independentes no decorrer do meu desenvolvimento. Ainda hoje, o cinema e a televisão são inundados de romances tóxicos, regados a possessividade, insegurança e a eterna dependência do outro. Como fugir desses enredos, então? Como continuar a escrever capítulos intensos e emocionantes da minha história sem esses ingredientes?
Não posso dizer que sei exatamente o caminho, porque ainda o percorro enquanto escrevo. Mas, aos poucos, tento decorar alguns cantinhos internos com fotos de momentos em que vislumbrei relações saudáveis, com outras tantas lembranças de quem sou por trás da caracterização de mulher ciumenta e com pontos de autocuidado.
É impossível mudar de um dia para o outro. Eu sonhava com o momento em que o ciúme desapareceria da minha vida desde que me dei conta de sua existência. Dediquei 90% de todas as sessões de terapia, iniciadas aos 13 anos, à tentativa de me livrar dessa dor imensa impregnada em mim. Um percurso que exigiu muita dedicação.
Então, o que posso dizer com convicção é que vou continuar nutrindo esse amor que nasce em mim e decide ficar por aqui mesmo. Vou continuar usando-o como combustível para a travessia que se abre a minha frente. Estou pronta para abraçar esse mar de incertezas e construir as minhas próprias referências de relacionamentos felizes, sadios e enérgicos.
Quem sabe as surpresas que o outro lado reserva? Enquanto houver amor próprio transbordando, sigo com coragem para descobrir.