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Por trás da moda

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Renata Brosina é jornalista, host de podcast e editora de moda com foco em luxo e sustentabilidade. Com 15 anos de carreira e alguns títulos internacionais no currículo, ela é curiosa, gosta de entrevistar e vestir pessoas, e analisar as transformações que vêm acontecendo no mercado.

MET Gala 2023: uma reflexão sobre homenagear Karl Lagerfeld

Algumas polêmicas circularam sobre "A Line Of Beauty: Karl Lagerfeld", mas há como separar criador e criatura?

Por Renata Brosina
2 Maio 2023, 19h32
Jared Leto no Met Gala 2023.
Jared Leto no Met Gala 2023. (Dimitrios Kambouris/Getty Images)
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Lembro bem do dia em que foi anunciada a morte de Karl Lagerfeld, aos 85 anos. Eu estava em Roma para a comemoração do 20º aniversário da linha B.zero1 da Bulgari. Três dias após esse evento, que reuniu uma série de pessoas da indústria, aconteceria o desfile da Fendi durante a Semana de Moda de Milão que, até então, era comandado pelo estilista. Foi uma surpresa, mas já era esperado que esse anúncio fosse feito em algum momento.

Na temporada de Verão 2019 da Alta Costura, em janeiro de 2019, o kaiser não apareceu para o clássico aceno no final do show. O que se falava, por fazer muito frio em Paris, era que ele estava em casa, evitando a exposição às baixas temperaturas. Mas ninguém comentava sobre a possibilidade de estar doente. Anos antes, boatos circulavam, após a saída de Hedi Slimane da Saint Laurent, dizendo que Lagerfeld estaria treinando o designer para ser seu sucessor na Chanel.

Karl Lagerfeld e Ines de la Fressange andam na passarela durante o desfile da Chanel Ready to Wear Primavera/Verão 2011 durante a Paris Fashion Week em outubro de 2010 em Paris, França.
Karl Lagerfeld e Ines de la Fressange andam na passarela durante o desfile da Chanel Ready to Wear Primavera/Verão 2011 durante a Paris Fashion Week em outubro de 2010 em Paris, França. (Antonio de Moraes Barros Filho/Getty Images)

Como sabemos, fake news. Slimane assumiu a direção criativa da Celine meses antes da ausência de Karl, que foi sentida, pela primeira vez, após a apresentação de Inverno 2019 da Fendi. Com um vídeo emocionante, a marca abriu o desfile mostrando cenas do alemão compartilhando – ao mesmo tempo que desenhava – suas primeiras experiências na moda. Uma recordação que emocionou a todos que lá estavam aguardando a coleção que seria a última com a sua assinatura. O que, na hora, tenha ficado fora de questão era o que, de fato, faria falta: o personagem Karl ou a suas criações?

Quatro anos mais tarde, no dia 1º de maio de 2023, aconteceu o anual Baile do MET. Anna Wintour é a responsável por eleger a temática da exposição do museu nova-iorquino, que serve como referência para os looks da grande noite. Karl Lagerfeld foi o homenageado para a exibição A Line Of Beauty: Karl Lagerfeld, que acontece ao longo dos próximos doze meses.

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No red carpet, de tudo um pouco. Desde Jared Leto vestido de Choupette, a gata mascote do kaiser, às peças icônicas criadas pelo estilista ao longo dos seus anos tanto na Chanel quanto na Fendi. Independente das críticas sobre os visuais da noite, o que me deixou (mais uma vez) irrequieta foi a questão do foco: “o que estava sendo homenageado? A moda de Karl ou o estilista em si?”. É difícil encontrar essa resposta de imediato, mas quero compartilhar um pouco sobre o porquê da questão, que parece inofensiva, mas não é.

Se falarmos do legado de Lagerfeld, temos muito a agradecer. Ele foi o responsável por dar vida à Chanel, no início da década de 1980, quando os herdeiros de Pierre Wertheimer, sócio de Gabrielle Chanel, o procuraram para comandar a maison que, até então, não vivia dias gloriosos. De imediato, Karl começou a trabalhar em cima de um projeto de rejuvenescimento, a partir dos pilares da grife, trazendo um frescor para os códigos de estilo desenvolvidos pela estilista francesa.

Antes disso, em 1965, o designer entrou para a Fendi e trabalhou ao lado das cinco irmãs da família – e, ao longo dos 54 anos dentro da casa romana, também fez com que a marca de casacos de pele se transformasse em sinônimo de desejo no mercado da moda de luxo. Em dois momentos, ele assumiu a criação da Chloé, de 1963 a 1983 e de 1992 a 1997. Por lá, também consideraram que a sua presença teve um ar de “renascimento da Chloé”.

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Verdade seja dita, ele tinha um espírito dedicado ao trabalho, a explorar ao máximo um olhar à frente do seu tempo. Como bom virginiano, nascido no dia 10 de setembro de 1933, Karl queria que tudo fosse impecável, desde a campanha fotografada por ele às escolhas das modelos, suas amigas na maioria das vezes. Para o mundo fashion, Lagerfeld foi um gênio – e sempre será lembrado pela construção de um legado. Indiscutível? Sobre produtos e imagens…sim.

O estilista Karl Lagerfeld posa nos bastidores com as modelos Karen Mulder, Carla Bruni, Nadja Auermann, Naomi Campbell, Linda Evangelista, Claudia Schiffer e Helena Christensen durante o desfile Chloe Ready to Wear Spring/Summer 1995.
O estilista Karl Lagerfeld posa nos bastidores com as modelos Karen Mulder, Carla Bruni, Nadja Auermann, Naomi Campbell, Linda Evangelista, Claudia Schiffer e Helena Christensen durante o desfile Chloe Ready to Wear Spring/Summer 1995. (Stephane Cardinale/Getty Images)

Por outro lado, há um ponto importante a ser validado – e questionado sobre esse personagem. Como mencionei acima, ele nasceu na década de 1930, na Alemanha. Seu pai, durante os períodos de Primeira e Segunda Guerra Mundial, enriqueceu com uma fábrica de leite condensado. O jovem Karl não tinha dos maiores orgulhos da sua origem, seja da família de origem alemã – mas seu sobrenome “Lagerfeldt” era sueco – ou pela falta de um sobrenome de aristocracia francesa. Mas tudo poderia mudar. Antes de completar 20 anos, ele se mudou para Paris, retirou o “t” do seu sobrenome para soar menos nórdico e se transformou no amigo rico de Yves Saint Laurent. Mais tarde, por causa de desavenças amorosas, os dois estilistas brigaram. Mas a competição ainda existia.

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Yves Saint Laurent, que era o menino dos olhos de Gabrielle Chanel, sonhou com o dia em que assumiria a direção criativa da maison, mas Lagerfeld não deixou. Ao longo dos anos, com sua vida pessoal cada vez mais distante dos holofotes, pouco se foi falado sobre a pessoa física. Essa que carregou por não assumir origens e sonhar em ser um verdadeiro parisiense – mesmo sendo alemão. Com a falta de fala e menção a isso, quem poderia questionar o lado fabuloso dele? Mesmo suas falas preconceituosas tiveram panos quentes para preservar a genialidade do inatingível – e poderoso – diretor criativo.

Estar rodeado de sobrenomes e dar espaço aos herdeiros, seja de famílias endinheiradas ou celebridades, em troca de um escudo, foram maneiras de se manter intacto em um mercado que, atualmente, merece menos favorecimentos desnecessários e mais talento. Quantos profissionais devem ter ficado de fora para esses nomes ocuparem espaços? Há modelos talentosíssimas que ganharam a visibilidade por conta do kaiser, mas quantas outras precisaram dar espaço à meninas como Kendall Jenner ou Kaia Gerber?

Saber separar “criador” e “criatura” é importante. E saber homenagear “criador” ou “criatura” também. Existe o lado genial de Lagerfeld que, nas passarelas, é discutível apenas por uma questão de gosto – você pode achar legal ou não os últimos anos dele na Chanel. Eu não acho, por exemplo. Mas, quando falamos sobre o lado pessoal, vale ter precaução. Não é porque os tempos eram outros que alguns comportamentos eram “ok”, certo?

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