Mesmo sendo a primeira temporada de Cruise sem Alessandro Michele na direção criativa, a Gucci parece ter entendido que o movimento feito pelo estilista italiano poderia ser interessante até Sabato de Sarno assumir o cargo. O novo nome, que irá lançar sua primeira coleção na próxima semana de moda feminina, iniciou seus trabalhos há poucos dias na casa. Enquanto isso, a equipe do estúdio criativo da grife — responsável pelas coleções desde o Inverno 2023, tanto para feminino quanto masculino — tem usado a atmosfera de Michele para definir a estética da marca, seja nas roupas ou nos efeitos da apresentação em si. Algumas pessoas do time são da época de Alessandro, inclusive, outras chegaram após a sua saída. Mas a essência, indiscutivelmente, está ali. É Michele, mas limpo e simples, em Seul, Coreia do Sul.
Mais comercial e menos maximalista, os looks ainda carregam a estranheza nas combinações. Só que, para os olhos que estavam exaustos dos excessos, um frescor. Diferente do Inverno 2023 feminino, que teve alta dose de características sensuais de Tom Ford (e zero Frida Giannini, como sempre), a grife não poupou construções baseadas na alfaiataria colorida, algumas monocromáticas, como tailleur roxo com abotoamento duplo e shorts de ciclista; no esportivo desconstruído, com a brincadeira de sobreposições de short ou long john e vestido de festas; e nos shapes amplos para casacos e croppeds inesperados, com muita barriga de fora, sim.
Os óculos com lentes vibrantes, tal e qual Michele adorava, estavam lá. A Gucci Web, fita bicolor icônica das bolsas da marca, foi reproduzida em versões maximizadas em vestidos, casacos e nas mangas, algumas destacáveis. O Gucci Canvas, outro elemento clássico, esteve em conjuntos e jaquetas. Para os acessórios, a it-bag Gucci Horsebit 1955 surgiu em versões deformadas, com formato mais estreito. O tênis Ace, que foi hit na era do italiano, também ganhou novos ares: desta vez, mais arredondado e com cadarços tonais.
O show em si, sediado no pátio cerimonial do Palácio Gyeongbokgung, do século XIV, na capital sul-coreana, também remetia às apresentações de Alessandro. Não sei como eram os releases dispostos em cada assento — costumavam ser poéticos e misteriosos —, mas a brincadeira de luzes e a trilha sonora, que inclui peças do compositor local Jung Jae-Jil, remetem ao espírito do que já vimos antes.
Toda troca de direção criativa, ou o hiato entre criadores, é conhecida pela quebra de padrões ou por uma mudança chocante. A ideia, claro, é mostrar uma nova Gucci, com um olhar distante de um passado recente, desenhado por um nome que, em alguns momentos, parecia maior do que a própria marca. A questão é: se distanciar e cancelar este legado não é missão fácil. A Coreia do Sul, como sabemos, é um dos países mais importantes para o mercado de luxo. E sediar um desfile da Gucci que, em outros momentos, poderia ter sido organizado em Tóquio, por exemplo, é uma forma de mostrar o quanto a casa quer criar, cada vez mais, um diálogo que combine diferentes culturas a suas raízes italianas.
Michele era craque em construir uma narrativa visual que combinasse símbolos históricos de maneira contemporânea, urbana e ainda ser global. O estudo do guarda-roupa feito por ele, ainda nos primeiros anos de direção criativa da Gucci, felizmente, é atemporal e se distancia do efêmero. A marca entendeu, o público também, e há uma Gucci que parece não mudar. Não no quesito estético, porque este enredo dos 60 looks vai ter uma transformação em menos de seis meses, mas em como a grife se comunica com o mundo.