Nove anos após a pré-estreia do longa The Great Gatsby, voltei à mesma sala para assistir Elvis. A coincidência não estava apenas no local e horário, mas, basicamente, na imagem que eu ia assistir na tela do cinema. Era um novo filme do diretor Baz Luhrmann, com figurino de Catherine Martin e colaboração de Miuccia Prada nos visuais dos protagonistas. Sim, as roupas dos personagens principais, se procurar bem, tinham as etiquetas da Prada e Miu Miu por dentro. Mas isso não era tão novidade. Em 1996, fora desta sala de cinema, eu assisti à versão de Luhrmann para Romeu e Julieta, com Leonardo DiCaprio e Claire Danes – e lá estava Miuccia Prada dando start nesta parceria que levava suas criações para um outro tipo de cenário.
O trabalho de Martin não foi apenas garimpar peças fashion da última temporada para sinalizar posicionamento de moda para os entendedores. Ela mergulhou no acervo das últimas décadas e pinçou looks que refrescam a memória com aquele deleite de “já vi isso antes e lembro que amei”. Foi o meu caso. A primeira aparição oficial de Priscilla, vivida pela atriz Olivia DeJonge, ao lado de Elvis Presley, por Austin Butler, foi usando um vestido xadrez, com marcação no busto, de Inverno 2010 da Prada. Em outro momento, Priscilla surge usando um look cor-de-rosa, com franjas brilhantes, bordados mil e todo aquele ar que Miuccia é conhecida por levar para a Miu Miu. Mesmo sendo peças reconhecíveis facilmente, elas foram adaptadas especialmente para o filme. As estampas, que brincam com o art déco, os detalhes que vira e mexe ganham força nas passarelas assinadas pela Sra. Prada, estavam lá – em plena sintonia. Afinal, toda a edição dos visuais era perfeita – e o filme parecia ter sido desenhado especialmente para o mundo Prada.
A conexão da moda com o cinema não é algo recente. Inclusive, alguns estilistas ganharam visibilidade fora da bolha fashion graças a essas colaborações. Um deles foi Giorgio Armani que, ganhando cada vez mais visibilidade no prêt-à-porter italiano, foi convidado por Paul Schrader para criar o figurino do personagem Julian Kaye que, primeiramente, seria interpretado por John Travolta. Os planos mudaram e o estilista italiano acabou vestindo Richard Gere e se transformou em um dos maiores responsáveis pela transformação da alfaiataria de Wall Street – e global, claro – graças ao sucesso do longa.
Antes disso, o próprio Hubert de Givenchy experimentou as delícias de vestir Audrey Hepburn, e todo o buzz em torno disso, para Bonequinha de Luxo, de 1961. O vestido tubinho de cetim preto usado por Holly Golightly, não à toa, se transformou na peça mais icônica da história do cinema. No mesmo ano, Coco Chanel, que era conhecida por colaborar frequentemente com figurinos de longas, assinou os vestidos de lamê prateados e as versões em chiffon branco usados por Delphine Seyrig em O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. E, não bastassem as roupas, a atriz adotou a aparência de uma morena de cabelos curtos, que lembrava muito Gabrielle Chanel.
Ainda na mesma década, Paco Rabanne, que era conhecido por trabalhar com metal e outros materiais alternativos para construir suas roupas futuristas, desenvolveu peças inesquecíveis para Barbarella, personagem de Jane Fonda. Já Catherine Deneuve, que também ficou conhecida por criar um laço muito forte com a moda, surgiu nas telas em A Bela do Dia vestindo Yves Saint Laurent com sapatos assinados por Roger Vivier. Outro francês que experimentou o cinema algumas vezes foi Jean-Paul Gaultier. Além de Kika, de Pedro Almodóvar, ele ficou conhecido por suas segundas-peles justíssimas em tons neutros que dão a sensação de nudez à primeira vista para a personagem Vera, de Elena Anaya, e das peças usadas pela governanta Marilia em A pele que habito. E, acredite, a lista ainda é longa.
A ideia de convidar um estilista para participar do desenvolvimento do figurino de um longa vai além do marketing. Estamos falando de profissionais que desenvolvem suas coleções, pelo menos, a cada seis meses, com uma quantidade significativa de looks, que contam uma história baseada em espírito do momento ou temática que fica compreensível do primeiro ao último visual na passarela. A construção de um personagem fica ainda mais coerente quando há uma sintonia com o todo.
Voltando ao filme Elvis, a sintonia entre Catherine Martin e Miuccia Prada no desenvolvimento de cada look dos protagonistas, esteticamente, fez o filme ficar ainda mais atraente e, em diversas cenas, deu a impressão de todos os personagens estarem vestindo Prada. Diferente de um filme pretensiosamente fashion, com etiquetas brilhando para lá e para cá, que foram garimpadas para sinalizar que há informação de moda no guarda-roupa do personagem, acredite, é tão delicioso ter a sensação de cuidado e de presença de identidade. A moda é exatamente isso. É a leitura da referência, do “onde precisamos chegar” e “qual é a mensagem que meu personagem quer comunicar”.
Não só sobre combinar calça jeans com a camiseta da última passarela da marca mais bacana do momento – para fazer vender. Sem dúvida, as roupas usadas por Elvis, Priscilla, com direito a bordados, tecidos com cortes bem acabados e até a alfaiataria dos personagens em torno, traziam o que Miuccia sabe fazer bem – e que conhecemos. Muito do que vi poderia ter beirado o cafona, a fantasia, o mal feito. Mas não foi nada disso. Quando o filme acabou, fiquei pensando que, com certeza, não teria alguém melhor que ela para ter feito isso. Sra Prada nunca erra, não é?