A pergunta do título é, provavelmente, o que faz sentido para começar a contar sobre o Miu Miu Women’s Tales. Ainda mais dentro da vida da mulher real, que é o foco de Miuccia Prada. Sabemos que a moda é composta por marcas que carregam valores reais – e outras aproveitam de um movimento de marketing para conquistar espaço e o coração do público. Sra Prada tem suas marcas, Prada e Miu Miu, dentro do primeiro time. Isso porque a estilista italiana, que já é conhecida por levar questionamentos e discussões profundas como centro das temáticas das suas coleções, mostrou diversas vezes o quanto a moda que cria não é o objetivo final do seu trabalho, mas serve como ferramenta para reforçar os seus pilares.
Um deles é o feminismo que, diferente de diversas grifes que surfaram na onda da valorização e do apoio às mulheres, Miuccia traz como pauta desde o início da sua carreira – e vai desde convidar artistas mulheres para criar ilustrações para suas estampas, até os projetos que vão além da moda. Neste último caso, o cinema, um dos grandes amores da Sra Prada, ganhou um olhar carinhoso para desenvolver uma iniciativa que não se trata de uma campanha publicitária. O Miu Miu Women’s Tales, lançado em 2011, é uma aclamada série de curtas-metragens que convida diretoras para apresentarem histórias encomendadas pela Miu Miu duas vezes ao ano, com foco em investigar a vaidade e a feminilidade no século XXI. Uma das estreias acontece no segundo semestre do ano no Festival de Cinema de Veneza. Em outras palavras, a marca entrega uma coleção de roupas da grife correspondente à temporada da estreia para a cineasta elaborar o curta com toda liberdade. E é tanta liberdade que, às vezes, é fácil esquecer que você está assistindo a um filme que carrega o nome Miu Miu.
Digo isso porque no último episódio lançado, o Carta a Mi Madre para Mi Hijo, da diretora espanhola Carla Simón, demorei para ver uma peça de Inverno 2022 da Miu Miu. Você começa a ver um brilho daqui, outro bordado mais carregado ali, mas o tema central não é a etiqueta da roupa. A função está mais em dar vida à roupa dentro de uma história do cotidiano do que dar aquele zoom de fashion film. E, no caso do 24º conto da série, a cineasta decidiu tornar a relação familiar entre mãe, filho e avós em uma linha do tempo tão sensível e lúdica. Há cenas de Carla grávida e nua, assim como nas fotos em que a mãe posa grávida da própria Carla. A brincadeira com a luz do sol entrando pelas janelas revelando fotos de avós, tios, tias, pais, bisavós sorrindo, costurando e recitando poesia. Em outro momento, há o crescimento da jovem, desde os anos 1960 até aos dias de hoje, passando pelos anos 1980, atravessando os limiares da feminilidade e da história, até conhecer Carla grávida junto ao céu azul da costa catalã. “Com este filme para o Miu Miu Women’s Tales, quero dar ao meu filho o que não tive: uma história de família.” Para Simón, há um papel especial que os filmes desempenham na vida das pessoas: “O cinema tem o poder de reparar o que está faltando.” O uso da roupa é secundário, mas, para quem está sempre atento ao que foi apresentado nas passarelas, ganha outro sentido.
Ver o look fora do contexto frio dos holofotes dos fotógrafos de moda cria uma relação de realidade, dá o sentido que a roupa criada por Miuccia Prada merece. Antes do curta apresentado por Carla Simón, uma lista de outros grandes nomes também deu vida aos verões e invernos da Miu Miu. E nenhum deles dirigido por Miuccia, mas com olhares que incluem nomes como Agnès Varda, Ava Duvernay, Mati Diop e Dakota Fanning. Diretoras conhecidas do grande público ou não. Cada episódio explora as complexidades de ser mulher pelo olhar de outras mulheres de diferentes origens e gerações – e só assim o projeto consegue ganhar sentido genuíno, compartilhando diferentes realidades e culturas. E, mesmo com essa pluralidade, ainda é possível encontrar perguntas em comum. “Como as mulheres aparecem umas para as outras?” e “Como as mulheres aparecem para si mesmas?” estão entre os questionamentos que fazem parte da trajetória da construção de cada mulher, seja ela cineasta ou não, e que a Sra Prada busca comunicar dentro da moda.
No Miu Miu Women’s Tales, a linguagem parece ser mais didática, mesmo com tanta magia dentro da história do curta, mas o reconhecimento dentro de uma personagem ajuda a absorver melhor o papel que temos, como mulheres. A busca de Miuccia Prada é que possamos nos identificar como mulheres, com nossas roupas e da maneira que as usamos, e não apenas com um vestido lindamente bordado, que não nos conecta com a realidade. Além de dar visibilidade para mulheres diretoras, Miuccia reforça o seu propósito na moda – e mostra ao que veio: para ser o suporte e apoiar outras mulheres a construírem uma nova realidade para século XXI.