Lembro de quando, no início dos anos 2000, cada grupo da escola se identificava com uma das séries norte-americanas que passavam nos canais fechados. Eu, aos 13 anos, achava o máximo o lifestyle de The O.C., além do crush no Seth Cohen (ou seja, Adam Brody). Já as patricinhas tradicionais mostravam interesse mesmo por Sex and The City, que já estava na sua quinta temporada. Fato é: a maneira como a informação de moda chegava a essas meninas era mais rápida e eficaz do que até mim.
Enquanto a protagonista do seriado californiano Marissa Cooper aparecia com uma bolsa Michael Kors ou Marc Jacobs, vez ou outra, Carrie Bradshaw e sua turma já estavam traduzindo para o dia a dia nas ruas nova-iorquinas, mesmo que com certo distanciamento da realidade, o que era hit na passarela de Dior, Versace e Giorgio Armani. Volto a destacar: estamos falando sobre os anos 2000, cuja característica principal dentro do sistema fashion era uma tendência “matar” a outra a cada seis meses. Internet para ver o que tinha sido apresentado nas fashion weeks? Nem sonhava com a possibilidade naquele tempo de rede discada.
Vinte anos mais tarde, Sex and The City ganhou um novo capítulo, intitulado And Just Like That, da HBO Max. Diferente de The O.C, que não teve um spin-off, a série mostrou que a sua conexão com os novos tempos evoluiu dentro de uma ideia completamente coerente com o enredo original. Portanto, a forma como a temática dos episódios tratava a moda abrangia diversos aspectos, seja revelando suas it-bags do momento, entre elas a Saddle Bag, da Dior, (que esgotou mundo afora graças à Carrie) ou transformando suas personagens em inspiração comportamental.
O que, convenhamos, é mais consistente e “pé no chão” do que os delírios da juventude nos calçadões de Orange County, que refletiu apenas o momento dos anos 2000, que não fazem mais sentido atualmente – e, sim, até a ideia de ficção ficou parada nos na década. Mas o que isso quer dizer exatamente?
Sex and The City tem uma função que vai além dos 17 pares de Manolo Blahnik no closet surreal da personagem de Sarah Jessica Parker. O movimento de dar continuidade à história, mesmo que sem a integrante Samantha Jones (Kim Catrall) na primeira temporada, manteve a função primária da série de comunicar a moda de acordo com a realidade. As personagens envelheceram, viram seus relacionamentos acabar, os filhos cresceram e a necessidade de repensar suas profissões. A realidade de muitas mulheres. Assim como questionar se uma minissaia deve permanecer ou sair do seu closet durante a meia-idade.
Carrie, com sua abordagem fashionista, responde que sim, deve ficar. E essa mensagem, invariavelmente, ecoa e nos faz olhar para o passado, do lado de fora da série, e pensar na moda como evolução dos “do’s and dont’s”, clássico nas revistas femininas. Uma das recordações mais marcantes da minha adolescência era a recorrência de matérias que ditavam o que mulheres entre 20 e 60 anos deveriam usar.
Esses “guias” tratavam tanto sobre comprimentos de roupas quanto de cabelo. Fios longos após os 40 anos? Jamais! Tinha que tesourar mesmo. Da mesma forma que as mais jovens não poderiam ser “ousadas” demais. Olhar para trás e ver o quanto o etarismo foi tratado, de mulher para mulher, com tanta violência e restrição, é uma mistura de alívio e sufoco. Se imaginar, em 2023, vivendo a partir dessas regras é arrepiante, assim como ver que, felizmente, vivemos tempos de mais liberdade, principalmente, sobre o que vestimos e o corpo que temos.
Falar sobre minissaia, uma pauta que foi abordada pelas jovens britânicas em meados dos anos 1960 (e com comando de Mary Quant), hoje é assunto que segue ganhando cada vez mais visibilidade independente da data de nascimento no documento de registro. Miuccia Prada já abriu a discussão na sua passarela da Miu Miu, em diversas oportunidades, e não a fechou até agora. Que bom! E esse é apenas um dos recortes dentro desse cenário de evolução na liberdade da mulher de se vestir – e despir.
Se em 1998 as personagens de Sex and The City estavam no brilho dos seus trinta e poucos anos, a celebração da maturidade vem em um cenário ainda mais especial para bater de frente com o etarismo. A moda tem uma relação íntima com a quebra de inúmeras normas de vestimenta feminina. Afinal, a desconstrução da imposição do certo e errado atravessa séculos.
Tempos em que as mulheres carregavam um título de “vítima” do que vestiam – e do quanto sofriam com peças construídas para desrespeitar seu conforto e seu corpo. Por religião ou pela pureza da honra. Há quem diga que estamos vendo o jogo mudando – e invertendo os papéis. As mulheres agora decidem o que entra ou sai do seu guarda-roupa. Mas ainda é um processo de descobrimento. E, quando nos sentimos representadas, é ainda mais carinhoso e genuíno.