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Quando o diálogo é inviável, falhamos

Leis nacionais criaram um sistema vanguardista, preparado para combater e prevenir as violências praticadas em razão do gênero. Mas seguimos falhando

Por Izabella Borges
17 nov 2022, 10h25
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  • Concórdia e discórdia são forças onipresentes, desde a criação do mundo. Li outro dia um texto do filósofo Edgar Morin que mencionava uma passagem do velho Heráclito, segundo a qual “concórdia e discórdia são pai e mãe de tudo”.

    De fato, como explicou Morin no tal texto que li, concórdia e discórdia se revelam na cosmologia da astrofísica contemporânea, desde o surgimento do universo, com o desencadeamento das forças que unem partículas de átomos e átomos às moléculas, processo que levou à criação dos astros.

    O grande ponto é: as forças de união, inevitavelmente, convivem com as forças de desunião e destruição, afinal, enquanto nascem astros, estrelas se chocam, galáxias se dispersam.

    Essa breve reflexão nos ensina que devemos encontrar o caminho do meio, entre a harmonia, o caos e a desordem, algum equilíbrio deve haver. Vida e morte, alegria e tristeza, união e desunião, fazem parte do jogo da vida. Mas como nós podemos existir, viver em consonância com tantas forças opostas, antagônicas?

    A fraternidade humana pressupõe amor e união, mas também contém rivalidade, guerras e ódios. Nesse microrganismo chamado Planeta Terra, pequeno aos olhos do imenso Universo, devemos seguir atentos, devemos cuidar dos princípios norteadores da fraternidade humana.

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    Para agirmos na origem do ódio que afasta, separa e desune, habilidades e ferramentas devem ser desenvolvidas em todos os níveis das nossas existências, nos mais diversos espaços e convivências. Em casa, entre amigos e família, mas também nos espaços públicos, espaços de poder.

    Uma dessas habilidades, grande aliada para que nos mantenhamos unidos no difícil momento que o país enfrenta, é o diálogo para assuntos difíceis, que pressupõe muito mais do que uma conversa, mas a capacidade de separar emoção e razão, de não transferir a dor própria para o outro, de organizar ideias, de saber que o argumento deve ter linha de partida e de chegada, afinal, dialogar não é competir, é construir. Some-se a isso uma boa dose de paciência, bons ouvidos e acolhimento.

    Percebo que a origem do mal, do ódio, em nível coletivo, passa por uma depuração individual, pertence ao indivíduo antes de se tornar coletivo e ressoa com aqueles em mesmo nível de consciência. Na verdade, o mal existe em cada um de nós, a autorreflexão e o autoconhecimento são os caminhos possíveis para a integração do mal, da sombra, para o entendimento de como lidar com essa ferida sem vinga-la, imputando aos outros a culpa por suas chagas.

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    Essa dinâmica complexa e sistêmica leva a observações contundentes sobre as interações sociais. A violência doméstica contra a mulher, verdadeira pandemia enfrentada pela humanidade, é também reflexo desses antagonismos.

    Falhamos. Inevitavelmente falhamos. Há boas leis nacionais que criaram um sistema vanguardista, preparado para combater e prevenir as violências praticadas em razão do gênero. Mas por que seguimos falhando?

    Falhamos porque não há diálogo. Não há autorreflexão. Ao mesmo tempo que incentivamos as mulheres a perceber que estão em situação de violência doméstica e buscar ajuda, bater às portas do poder judiciário e das autoridades policiais, falhamos por não conseguirmos vencer a batalha cultural. O inimigo da ordem, agente da desunião, pode estar sentado em qualquer espaço público, aplicando as excelentes leis que temos disponíveis, sem a menor ideia do quanto reproduz o ódio nesses espaços, pode ser um juiz, promotor, delegado.

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    Falhamos porque não há fraternidade humana. Ao mesmo tempo que assistimos um sistema punitivista que prende pessoas por furtar uma margarina, vemos juízes negando medidas protetivas em casos repletos de provas. Outro dia li uma decisão judicial, que negava uma medida protetiva em caso de lesão corporal sob a justificativa de que a vítima “estava remoendo o término do relacionamento” e, portanto, não merecia a proteção estatal.

    Falhamos porque a perversidade humana está destruindo a fraternidade.

    Chegamos, enfim, ao ponto sem retorno. Ou enxergamos o caminho do meio, ou estaremos fadados a um fim cruel. Eu sigo, como sempre fui, apaixonada pela natureza humana e crendo que é possível construirmos juntos um mundo fraterno em meio a concórdia e discórdia.

     

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