Em 1963, Betty Friedan, expoente da segunda onda do movimento feminista, publicou a obra A Mística Feminina. Essa obra foi fundamental para a percepção e rejeição, à época, dos estereótipos que aprisionavam as mulheres.
Dentre as contestações apresentadas por Betty, a autora questionava o fato de as mulheres serem ensinadas o tempo todo, inclusive pelos meios de comunicação, sobre como conquistar e manter um homem, além de como aparentar e agir de forma mais feminina.
Em pleno ano de 2023, sessenta anos após e já na quarta onda feminista, eu trago uma reflexão a vocês: as mulheres seguem sendo ensinadas e moldadas para agradar aos homens? Para mim, a resposta é afirmativa, muito embora a estratégia, agora, esteja disfarçada de “empoderamento”.
As redes sociais e a popularização da internet nos trouxeram inúmeros benefícios, sem dúvidas. Por outro lado, nos tornamos alvos de usuários que se dizem especialistas nos mais diversos assuntos. E ganham muito dinheiro com isso.
Um dos mercados mais atrativos é, justamente, o mercado dos relacionamentos. Os seres humanos são seres relacionais e, portanto, a demanda é certa. Qual é a problemática em torno disso, então? É maior e mais complexa do que parece.
Em uma sociedade patriarcal, estruturada para privilegiar homens – ainda que o movimento feminista esteja ganhando força e espaço – , os homens permanecem ditando regras de comportamento às mulheres.
Acredito que todas nós, em algum momento, já fomos impactadas por conteúdos que prometem sucesso na conquista e nos relacionamentos. O mercado de coaching cresce de forma acelerada e os “coaches” de relacionamento apresentam números impressionantes.
Vemos homens sem formação e qualificação específica, sem que haja qualquer embasamento científico além de suas “próprias experiências”, ensinando mulheres a conquistar ou manter relacionamentos amorosos com homens.
Ditam um padrão de comportamento. Vendem – a preços significativos – fórmulas prontas que seriam “infalíveis” na arte da conquista.
Estes ditos “gurus do amor” apontam quais comportamentos e posturas são corretas e incorretas, como uma mulher “de alto valor” deve se comportar, dão dicas de conquista e sedução, qual é a visão masculina sobre a mulher e até mesmo técnicas para uma melhor performance sexual.
Preocupam-se, no fim das contas, exclusivamente com a satisfação masculina. O processo de controle e objetificação das mulheres – apontado por Betty Friedan há sessenta anos! –, é, assim, perpetuado.
As mulheres são levadas a crer que precisam ser e agir de forma específica para conseguir conquistar e manter um homem. A submissão permeia as fórmulas mágicas vendidas pelos coaches.
Mas por que, então, as mulheres consomem este conteúdo? Por razões também complexas.
Vivemos em uma sociedade na qual ainda é imposto um padrão de felicidade. Sim, avançamos bastante no tema, mas ainda se entende que um relacionamento é sinônimo de felicidade. Muitas mulheres solteiras, sobretudo aquelas que já passaram dos 30 anos, são vistas – e se sentem – como um fracasso social. Justamente por não cumprirem com o papel social imposto: serem esposas e mães.
Estar sozinha revelaria uma falha pessoal. Uma incompletude. Nesse contexto, as mulheres são levadas a ouvir conselhos de homens que prometem resolver o “problema”. Esse “problema” residiria, justamente, em sua própria maneira de ser, pensar e agir.
Somos ensinadas desde muito cedo a nos preocupar com o que os homens vão pensar de nós, enquanto a preocupação deles também é esta: o que ELES vão pensar de nós. Uma via de mão única.
É negligenciado o fato de que para estabelecermos um relacionamento com o outro precisamos estar em um relacionamento saudável com nós mesmas. Mergulhar no autoconhecimento. Trabalhar a autoestima. Ressignificar traumas, medos, feridas. Identificar nossos padrões. Um processo individual que demanda dedicação, reflexão e elaboração.
Não há empoderamento sem liberdade e individualidades. Não há liberdade com o estrangulamento da espontaneidade e da autenticidade. Não há discurso “empoderador” com a imposição da adequação a regras que limitam a nossa própria existência enquanto seres singulares.
A coluna desse mês clama por menos “gurus do amor”, mulheres robotizadas e conquistas instrumentalizadas e mais mulheres reais, que mergulham nas profundezas de suas individualidades e, a partir daí, são capazes de estabelecer trocas genuínas com si mesmas e com o outro.