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A Lei Maria da Penha completa 18 anos e ainda há muito a ser feito

Em meio aos Jogos Olímpicos, acompanhamos o caso de Flavia Maria de Lima, mais uma vítima da violência processual e do machismo no Brasil

Por Izabella Borges
Atualizado em 9 ago 2024, 13h07 - Publicado em 8 ago 2024, 15h24
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  • A Lei Maria da Penha acaba de completar 18 anos de existência, um marco significativo no combate à violência contra a mulher e um símbolo internacional na promoção dos Direitos Humanos. No entanto, apesar do papel fundamental que desempenha, os números no Brasil continuam alarmantes, demonstrando a urgente necessidade de transformação cultural.

    Os dados são contundentes: segundo a Rede de Observatório de Segurança, em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência a cada 24 horas, resultando em 3.181 vítimas registradas, um aumento de 22,04% em relação ao ano anterior. Foram 586 casos de feminicídio, ou seja, uma mulher foi morta a cada 15 horas, principalmente por parceiros ou ex-parceiros (em 72,70% dos casos). 

    A persistência no aumento desses índices demonstra que, para além da Lei Maria da Penha, uma das melhores legislações do mundo no combate e prevenção à violência doméstica, precisamos avançar no combate à cultura da violência.

    A violência contra a mulher não acontece ao acaso, é fruto de séculos de dominação masculina. Lembremos que o Brasil, um país jovem, foi constituído na época da inquisição europeia, a partir do estupro destas terras e das mulheres que aqui viviam: mulheres indígenas, mulheres negras e mulheres brancas, cada uma destas colocadas em prateleiras específicas.

    Ao longo dos 18 anos de Lei Maria da Penha, pudemos furar as bolhas feministas e levar informação sobre violência doméstica para a mulher dona de casa, que sequer conhecia qualquer direito seu. Avançamos, muitas mulheres puderam romper o ciclo da violência doméstica graças a todo esse debate público. Contudo, devemos avançar para centrar políticas de conscientização na educação de meninos e homens.

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    Homens ainda são socialmente estimulados a agir de forma agressiva para preencher vazios emocionais. Em uma sociedade que estimula práticas violentas e a desconexão das próprias emoções, demonstrar o que sente, agir com mais sensibilidade, seriam “falhas” ao modelo de masculinidade sacralizado em distorções patriarcais.

    Esse padrão de comportamento fomenta a cultura da violência contra as mulheres em todas as suas nuances. A violência contra a mulher pode se manifestar de várias maneiras e muitas vezes de forma sofisticada, tornando difícil, em muitos casos, a identificação e seu combate. Enquanto a violência física é mais evidente, outras formas de violência, como a psicológica e a processual, são frequentemente invisibilizadas. 

    Tenho recebido, ao longo dos anos atuando como advogada, muitos casos nos quais fica evidente a prática da violência processual, que ocorre nos casos em que o sistema judicial é utilizado como ferramenta de abuso, prolongando disputas legais para punir ou manipular a mulher que busca acesso a direitos na justiça. 

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    A violência processual é particularmente cruel em casos que envolvem a guarda dos filhos, nos quais o homem instrumentaliza a justiça para questionar a capacidade materna ou tecer acusações de abandono, gerando um desgaste emocional significativo.

    Para as mães, essa forma de violência é especialmente prejudicial, pois atinge diretamente seu vínculo com os filhos, criando um estresse constante e prolongado que afeta gravemente sua saúde mental.

    Flavia Maria de Lima e a violência processual

    Um caso recente é o da atleta olímpica Flavia Maria de Lima, que viajou para as Olimpíadas de Paris de 2024 para competir nos 800 m rasos. Além do desafio esportivo, Flavia enfrenta uma batalha judicial para manter a guarda de sua filha de seis anos.

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    A atleta alega que o pai da criança utiliza o sistema de justiça para protocolar todas as suas viagens de trabalho como “provas” de abandono parental, situação que pode configurar a violência processual e psicológica.

    Nos últimos dias, Flavia se posicionou contra essa violência em suas redes sociais:

    Quantas mulheres são silenciadas diariamente? Quantas mulheres vêm procurando ajuda, suporte, achando maneira de contar sua história, sua dor e são amordaçadas pelo machismo? Eles acham que tem o poder de controlar nossa vida e a gente tem que viver reprimida o resto da vida. Quantas mulheres foram silenciadas e não estão mais aqui por conta das suas histórias? A partir do momento que eu não me pronunciar mais a respeito é porque eu fui silenciada, mas não porque eu quis. Porque eu sou vista como um objeto”, disse.

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    A violência contra a mulher revela, em casos como o de Flavia, a incapacidade masculina de lidar com mulheres independentes, que reestruturam suas vidas, maternam crianças e alcançam sucesso profissional.

    O caso de Flavia é emblemático, pois revela o quanto uma sociedade imersa em machismo estrutural ainda não está preparada para festejar mulheres como ela, que romperam estereótipos determinantes de papeis sociais de gênero.

    Há muito o que ser feito para resguardar os direitos humanos das mulheres, a liberdade de constituir a própria vida e suas autonomias.

    A celebração dos 18 anos da Lei Maria da Penha deve servir de reflexão crítica. Devemos reconhecer seus méritos, mas também admitir que a violência contra a mulher ainda é uma realidade cruel.

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