Como as bruxas – mulheres livres seguem sendo perseguidas
Entre labaredas antigas e julgamentos modernos, é preciso aprender a dançar no fogo sem perder o bom humor
Na última coluna, questionei por que está tão difícil encontrar um parceiro no amor. Uma coluna, como se sabe, é um espaço para opiniões. Mas geralmente escrita por alguém que tem alguma voz na sociedade, algum embasamento, uma certa relevância. O que recebi de resposta? Homens inconformados — ah, que surpresa! — e outros que concordaram plenamente. Mulheres riram da veracidade das situações descritas.
E teve quem sugerisse, veja só, que talvez eu não seja tão bonita ou interessante assim. Gente, como é que eu não tinha pensado nisso antes? Desperdicei dias, neurônios, sinapses inteiras, para escrever um texto humorístico… para quê? Bastava olhar no espelho ou pedir a opinião de um Zé qualquer no Instagram. FÁCIL. Vou pagar a conta da analista e pedir demissão. Adeus!
Quando o espelho devolve o machismo disfarçado de opinião
Recebi, portanto, meu espelho. Peço desculpas a todos. Eu retiro tudo que disse até hoje. O fato de não encontrar homens com saúde mental em dia, um pouco de apreço pela estética e boa conversa se deve unicamente ao fato de eu ser uma pessoa desprovida de tais qualidades. Foram 37 anos de vida, sendo 32 deles dedicados à terapia, literatura, feminismo, filosofia, estudos, conversas, olhar crítico para a sociedade. Pra quê? Poderia ter gasto esse tempo — e dinheiro — com plásticas! E, no entanto, agradeço a quem me trouxe essa luz.
Hoje me sinto livre como nunca fui. Livre de qualquer problema que a sociedade insiste em colocar sobre nós. Porque a resposta básica, simples e direta, foi: eu, feia. Escutam esse barulho? É a paz invadindo meu coração. Mulheres, vocês estão gastando energia demais tentando se explicar, quando a sociedade já tem a fórmula pronta: se não cabe no desejo masculino, é defeito. Se o problema é ser “feia”… então sejamos feias. Feias e livres.
Queimar ainda é o verbo: agora em praça digital
E já que estamos falando de liberdade, olha só a coincidência: outubro chegou, o mês favorito das bruxonas. Fantasiamo-nos, brincamos, vamos a bailes e festas de moda (para quem é convidado), nos divertimos com amigos. Mas, por trás das fantasias, as fogueiras para as “bruxas” continuam acesas. Antes queimavam corpos em praça pública; agora queimam vozes na internet. Cancelam, perseguem, hostilizam, ironizam… sempre com muito tempo sobrando, claro.
Levamos séculos para poder usar calças. Mais alguns para votar, divorciar, conquistar o direito de trabalhar. E até hoje seguimos lutando por direitos que mal funcionam. Conquistamos espaços: a fala, a presença em lugares de relevância, algumas cadeiras de poder. Mas, assim como as bruxas, nós, mulheres livres, seguimos perseguidas.
Permanecer também é um ato de coragem
Hoje, não basta apenas chegar lá. É preciso permanecer. Enfrentando críticas objetivas e subjetivas. “Quem é você para estar em uma revista?”. “Quem é você para ser CEO? Só pode estar dando para o chefe.” “É feia, coitada. Mal amada. Só sabe falar de relacionamento porque isso dá ibope.” “Ela não é tão boa assim.” “Ela não é bonita, logo só escreve porque não tem um HOMEM ao lado.” Somos julgadas por tantas coisas que daria para fazer um TED Talk de 90 minutos com tudo o que já ouvi, li e experienciei de pessoas cheias de recalque sobrando.
Entre labaredas antigas e julgamentos modernos, é preciso aprender a dançar no fogo sem perder o bom humor
. Porque, caso contrário, somos jogadas na mesma fogueira que começou na Idade Média — e, pasmem, ainda não se apagou. A diferença é que hoje não arde apenas uma. Hoje somos muitas. E cada bruxa que tentam calar acende outras. Se ser livre significa ser queimada, que venham as labaredas: já aprendemos a dançar no fogo. Não vão nos calar, porque também sabemos fazer barulho. Um último recado: temam mulheres que foram ao inferno e retornaram. Bom Halloween!
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