Você já foi estuprada?
Pergunte agora para qualquer mulher se ela já foi assediada, olhada com desejo ou estuprada. Duvido que alguma delas não te responda sim
Somos um buraco. Sempre soube disso. Senti logo menina. Cresci cedo, ganhei bundão, pernão, peitinho, mas sempre fui over – quase um clone da Claudia Raia. Homens salivavam e, numa coçada de saco, numa virada de cabeça, num gemido sacana, aprendi que “Ai, Papai” não era uma exclamação carinhosa.
2020. Eu, quase sessentona, não vou dizer que arranco “ais e uis”, mas permaneço atenta ao comportamento do macho alfa que fere com seu pênis, sua boca e suas mãos os meus pares. São melados de ojeriza e inflados de desfaçatez. Então, a menina virgem, bonita, que vai a festa de roupa curta e tira foto em pose sensual é vadia? Merecia ser currada? E foi violentamente abusada quando o juiz inocentou o agressor e ainda desqualificou a moça.
Segundo ele, não houve prova de dolo (termo nojento), mesmo ela tendo sido supostamente estuprada em um camarim, em 2018, em uma festa no balneário de Jurerê… No exame de corpo de delito tinha o sêmen dele e o sangue dela, mas nem isso comprovou o ato.
O que revolta – além da violência física – foi a maneira desumana e invariavelmente machista como o advogado de defesa do réu insinuou que a moça era modelo profissional, posava em clicks ginecológicos e jamais teria uma filha do nível da Mariana, inocentando de vez o rapaz de estupro de vulnerável.
E eu, como essa sentença, com esse vídeo, caminho pra trás em minhas memórias. Quanta baixaria eu não presenciei. Quanta violência eu sofri, bem como as minhas amigas. Eu sempre digo, pergunte agora pra uma moça ao seu lado – que tenha mais de 12 anos – se ela já foi assediada, olhada com desejo, passou na obra e o cara enfiou a mão no pau, alguém roçou sua piroca nela, se ela já teve dedo no rabo, boca na nuca, ou uma passeada de mão pelas coxas? Coisa pior? Também tem. Duvido que alguma delas não te responda sim.
Sim, eu já vivi constrangimentos em escadas, elevadores, banheiros, escritórios, colégio, academia de ginástica, consultório médico. É um rosário de horrores. E, senhor juiz, a menina podia vestir roupa curta, podia ter dado em cima do cara, podia ter dado uns beijos… mas dizer que o aluguel dela estava atrasado sete meses, que ela é uma profissional dissimulada, que premeditou tudo nos mínimos detalhes, eu já acho demais. E cá entre nós, se o cara for inocente, não será mais. O que aconteceu na audiência por videoconferência foi sexista e misógino e enrascados estão todos vocês advogados machistas afinal o tribunal da Internet não perdoa. Perdeu, playboy!