Pode até ser apenas uma quimera, um desejo reprimido, mas – vejo a cada troca de zap, conversas em bar, lives pelo insta, palestras pelo zoom, reuniões pelos teams e tantos outros diálogos presenciais ou não, o assunto voltar. Mulheres querendo entender, explicar, vivenciar ou mesmo apenas conversar sobre a traição. Sim, queremos trair. Trair nossas repressões e aprisionamentos.
Tem tanta novidade vingando que precisamos de um novo glossário acompanhado de um manual de conduta verde em folha. Casamentos abertos, relações a três, poliamor, tantas versões modernas do ficar, juntar, estar, casar…
Claro que as novinhas oscilam entre o “parasempre” do véu e grinalda e as modernérrimas que já partem para os lençóis da cama dela, dele, deles. Estamos presenciando – sobretudo na maturidade – um questionamento sobre trair e coçar é só começar, mas agora pelo víeis da necessidade de se ficar casada.
Se o enlace era algo político, econômico, perpétuo mesmo com o homem podendo tudo, tendo uma, duas, três, um harém de mulheres e a nós, nada, a não ser a vida monogâmica e violenta do abuso dos maridos e companheiros, chegou o momento – pelo menos nos países mais liberais – dessa discussão sobre a necessidade em ser fiel. Fiel a quem? Fiel ao que? O correto agora parece ser separar quando não está bom.
Ninguém quer tentar mais nada, esticando um relacionamento a dois que pode existir apenas para a criação dos filhos, manutenção do patrimônio ou mesmo pela resposta à sociedade. Mas com as mulheres adotando mais crianças (sem passar pela gravidez) ou mesmo tendo seus filhos de maneira solo, elas mesmas produzindo e acumulando riqueza e, dando uma banana para o que pensa o vizinho, pra que então ficar numa relação anos a fio sem prazer? E o que é traição? É transar? Beijar pode? Trocar nudes configura? Ver filmes pornôs o tempo todo? Sex texting liberado?
Eu tenho adorado esse debate apesar de ser casada e não trair. Mas só pensar no assunto me libera para uma série de questionamentos. A liberdade masculina – de ir e vir, de poder tudo, de ditar regras e leis e tantas outras fortalezas acumuladas por anos de protagonismo vem, timidamente migrando para a esfera feminina. E acho que passar o rodo, trair para descontar, fazer igual aos homens é um erro tão crasso quanto permitir os abusos diários pelos quais estamos acostumadas. E trair não é só um ato sexual.
A banalização da relação, o desmonte familiar escondido em belos porta-retratos, as agressões por trás da família margarina – tudo isso é uma forma de substituição. E cabe a nós, mulheres, o debate desse amor livre que passa antes de tudo pelo autoamor.