Após virar réu em 2017 após denúncia por agressão à sua então esposa, o cantor Victor Chaves, que fazia dupla com Léo, foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em novembro do ano passado. Nesta semana, o caso voltou a ganhar repercussão por conta da pena fixada, que o cantor recorreu. Victor fora condenado por vias de fato a 18 dias em regime aberto, o que significa que ele poderia continuar em sua residência e trabalhar com restrições como retornar para casa à noite. Ele também foi condenado a arcar com as custas processuais e a pagar 20 mil reais à ex-esposa como indenização por danos morais.
Existe uma inversão de valores na nossa sociedade sobre os direitos das mulheres, que foi construída culturalmente e se reflete na legislação penal atual. Enquanto o crime de furto simples, por exemplo, prevê uma pena mínima de um ano e quatro meses de reclusão, a pena da maioria dos crimes de violência contra a mulher sequer chegam a um ano. O crime de lesão corporal de natureza leve, que pode ser o ato de dar um soco no nariz ou uma cabeçada sem afastar a a vítima por mais de 30 dias de suas atitudes habituais, prevê uma pena mínima de três meses. Um crime de ameaça que aterroriza, que retira a liberdade da vítima e que muda o cotidiano dela prevê uma pena mínima de um mês. Absurdo e inaceitável que a integridade física e psicológica da mulher valha menos do que um bem patrimonial tão simples quanto um celular.
Já as vias de fato, as agressões físicas que não deixam marcas, sequer são consideradas crime, mas sim contravenção penal, ou seja, comportamentos ilícitos de menor potencial ofensivo. Para essas contravenções penais, não há pena de detenção ou reclusão, então o agressor não pode ser preso por essa atitude.
Observo que praticamente 80% dos casos de violência contra a mulher que chegam na promotoria de Justiça são: 1) contravenção penal (tapa na cara, empurrão, puxão de cabelo, isto é, agressões que não deixam marcas aparentes); 2) lesão corporal de natureza leve e 3) ameaças. Defendo há algum tempo – e inclusive consta no pacote anticrime de violência contra a mulher que apresentei ao Ministério da Justiça –, uma urgente e necessária alteração aumentando as penas dessas três infrações, que são as principais do contexto de violência contra as mulheres e não recebem a devida atenção
A decisão da juíza do TJMG foi, no meu entendimento, muito justa. Ela analisou as provas e aplicou a pena de acordo com a nossa legislação penal, que, infelizmente, é fraca e ineficaz no contexto de violência contra a mulher. Apesar do tamanho da pena, enxergo o contexto desse caso como positivo para as mulheres: um homem famoso, uma mulher jovem e de classe média alta, houve denúncia, houve medida protetiva, e houve condenação. Ele mostra que lei deve ser igual para todos. Deve-se levar em conta, também, que a condenação também por danos morais é um grande avanço e que favorece a proteção dos direitos das mulheres.
Da análise de fatos e da decisão, é incontestável que as penas para contravenção penal, lesão corporal e ameaça não estão cumprindo seu papel intimidatório e nem repressivo. Como consequência das penas inexpressivas, temos a sensação de impunidade e de aumento dos crimes de violência contra a mulher. O momento é de transformações, visando a valorização dos direitos das mulheres. As leis e o Direito Penal, principalmente, devem estar de acordo com a realidade e cumprir o seu papel social. Não adianta termos uma das melhores legislações do mundo se ainda sermos o quinto país com o maior número de mortes de mulheres. Precisamos de efetividade. A “tolerância zero” aos crimes cometidos contra as mulheres com motivação de gênero é exigência da sociedade brasileira e não iremos desistir, nem retroceder. O aumento das penas desses crimes é apenas um caminho, mas é necessário.
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