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Fugas e Residências, por Nara Vidal

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Nara Vidal é autora dos romances “Eva” e “Sorte”, e do livro de contos “Mapas para Desaparecer”. Nascida em Guarani (MG), ela é formada em letras pela UFRJ com mestrado em artes e herança cultural pela London Met University. Direto de Londres, escreve para CLAUDIA sobre as múltiplas experiências da vivência feminina.

COLOQUE-SE NO SEU DEVIDO LUGAR

Colocar-me no meu devido lugar é tomar para mim a minha fala e meu pensamento

Por Nara Vidal
Atualizado em 23 set 2022, 08h31 - Publicado em 23 set 2022, 08h00
Nara Vidal
Nara Vidal no TEDx de Lisboa.  (Reprodução/Instagram)
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Em julho, fui convidada a falar no TEDx de Lisboa. Como, geralmente, acontece comigo, primeiro digo sim às coisas e depois vou pensar sobre elas e, eventualmente sobre a minha decisão de ter aceitado. Ainda que possa parecer irresponsável da minha parte, dizer sim num ímpeto e na febre do momento, sei que é uma maneira de me tirar de um lugar confortável que é o de não fazer nada que não seja familiar ou conhecido.

A partir do momento que aceito fazer algo que pode ser incomum, dar muito trabalho ou apresentar algum desafio à linearidade das coisas, eu me sinto, estranhamente, mais viva. Porque estar mais viva é, para mim, um conceito associado ao risco e à tentativa que pode dar certo ou não. Talvez o que mais me aborreça nas pessoas, nos livros, numa conversa e em mim mesma é a possibilidade de monotonia. Reconheço que é possível que esse ponto de vista se altere com o tempo. Porém, ainda que eu passe a cultivar o interesse pelo que pouco se modifica e por uma paisagem mais imóvel, eu intuo que será difícil desenvolver uma simpatia pela monotonia.

Uma grande tolice e ingenuidade que eu carrego são essas asas de uma borboleta que mora em mim e que acorda diante qualquer coisa, da mais insignificante até a mais assustadora. Desde um e-mail que chega até a ansiedade que gera a vida autônoma de uma escritora sempre em busca de trabalho. O medo é, portanto, algo que me acorda. Quando este texto for publicado, eu já vou ter passado por uma das experiências mais assustadoras que posso ter vivido. E não me refiro, exatamente, a falar em público no TEDx. O medo maior é de ter que revistar, outra vez, a sensação de imaginar que o que eu tenho a dizer não importa, impostora que sou. O meu tema, escolhido por mim, é sobre o silenciamento das mulheres. E a ironia da questão é precisamente eu saber que é um privilégio eu poder falar sobre a prática social e cultural de diminuir, fragilizar e ridicularizar a fala ou opinião de uma mulher. Isso, por si só, já caracteriza um tipo de silenciamento.

Quantas de nós não podem ou conseguem se expressar com calma e assertividade no trabalho ou num relacionamento? Quantas das que me leem, já sentiram sua capacidade e inteligência subestimadas, suas opiniões ignoradas, ou suas qualificações desvalorizadas? Quantas de nós já se sentiram intimidadas por um homem comum ou despreparado só porque era a figura de um homem? Quantas de nós ainda ganham menos que um homem, ainda que estejamos tão quanto ou mais preparadas que ele? Quantas de nós se enrolam na hora de defender o feminismo, não como um movimento, mas uma política? Quantas de nós ainda se surpreendem quando classes privilegiadas de mulheres afirmam que não há mais machismo? O fato é que é preciso considerável má vontade para não entender que o machismo, filho do patriarcado (ou seria o inverso?) não é um fato e uma opinião isolados. São construções de alicerces sólidos e reformadas com uma fachada nova ao longo dos séculos para manter cada um no seu devido lugar, semear, entre as mulheres, a insegurança e o medo.

Fomos e ainda temos sido Lavínias de língua e mãos amputadas e não é por obediência nossa, mas por violência do patriarcado. Ainda que tenhamos um atraso histórico em relação as nossas reivindicações, podemos tentar transformar a nosso favor a experiência de sentirmos na pele o gênero como discriminação e isso, eventualmente, nos fortalece e nos prepara para argumentos mais aprofundados e significativos. Prepara-nos para o equilíbrio que procuramos e para a defesa que precisamos. 

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Diante da minha apreensão para falar no TEDx, minha filha me trouxe um conselho da forma mais honesta possível: mãe, chega lá e fala! 

Curiosamente, o problema na colocação dela é também a solução – a confiança que a minha filha tem não é em mim: é nela. Para que ela falasse, quantas de nós precisaram se calar? 

O que ela me diz é que colocar-me no meu devido lugar é tomar para mim a minha fala e meu pensamento. É abrir o microfone, acolher a luz que me destaca no palco, acreditar no que digo e, ao falar, saber que, ainda que o silenciamento estrutural e pontual se mantenham, eles serão denunciados. Esse é o nosso devido lugar. 

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