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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

O escritor não é um fazedor

Cada escritor tem sua lógica, tem seu mundo, tem seu jeito e percepção sobre como sua escrita flui. E não quer ser máquina

Por Juliana Borges
10 ago 2020, 21h45
 (Reprodução/Getty Images)
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Oi. Eu não sei muito bem por onde começar o diário de hoje. Por não saber e tentar sair dessa enrascada durante a tarde toda, eu resolvi fazer o que todo escritor faz: escrever. Começar a escrever de modo aleatório, sabendo que até existe um objetivo, mas deixando o “flow” determinar quais os percursos e caminhos escolhidos até o suposto fim. Suposto porque escritor nunca acaba um texto. Sempre há de ser melhorado, revisto. No meu caso, o que ocorre é um certo cansaço e um chega, já basta. Vátimbora, next! Mas uma coisa é certa: escritor não é um fazedor.

Eu quero deixar explícito: eu amo escrever e não consigo me ver sem escrever. O coração chega a doer só de pensar. E eu não sou contra os fazedores. Acredito que cada um tem seu tempo, suas vontades e suas capacidades. Ao mesmo tempo, me preocupa profundamente a dinâmica do mundo dos fazedores. O tempo reduzido à utilidade, ao funcional e às demandas por ser todo tempo criativo, de estar todo tempo fazendo alguma coisa. E daí acham que escrever funciona desse modo.

Coisas como “Ah, escreve qualquer coisa rapidinho!”; “Pára, quê isso! 3 horas para escrever isso? É rapidinho, coisa de duas, três páginas!”, sempre me deixam irritada e pensando “Então, por que você não faz?” Ora, se é tão “rapidinho” significa dizer que todo mundo pode fazer um texto. Todos escrevemos, é verdade. Mas nem todos escrevemos criativamente. O fato de escrevermos não nos faz escritores no automático. A não ser que estejamos lançado à lama a tarefa da escrita criativa.

O mundo dos fazedores tem imposto sua “lógica” para todos. Mas cada escritor tem sua lógica, tem seu mundo, tem seu jeito e percepção sobre como sua escrita flui. E não quer ser máquina. Ao menos, eu não quero. O processo de escrita não é só sobre produzir/fazer um conteúdo. Mas envolve pesquisa, envolve leitura e o tempo para que se possa introjetar ideias para poder dar forma a elas no papel – ou na tela do computador. Uma frase pode demorar horas para se sentir segura a tomar forma. Um parágrafo, por exemplo, tem seu próprio tempo de apresentação. Cada um tem seu tempo e sua técnica e há aqueles invejáveis que, com sua capacidade de disciplina e foco, conseguem estabelecer metas de 5000 palavras por dia, ou até mais, que seja. Eu os invejo. Meu cérebro começa a gritar que precisa de tempo, que precisa acertar direitinho a introdução antes que minhas mãos comecem a deslizar pelo teclado. Na minha insistência, ele pifa, em greve. Meu corpo, em conluio, implora por água, chá de erva doce e por minha vitamina B12. Já não é possível avançar. E enquanto isso, eu recebo mais e mais convites para “só mais um textinho rapidinho”. E eu odeio esse diminutivo. E se a gente recusa ou fala de estafa mental… “ah, quanto drama”. Porque, no mundo dos fazedores, todo mundo acha que tudo é muito rapidinho… e bem superficialzinho. 

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