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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

Mataram um estudante!

A cada 23 minutos um jovem negro, outros João Pedro são assassinados

Por Juliana Borges
Atualizado em 20 Maio 2020, 21h33 - Publicado em 20 Maio 2020, 21h30
 (Acervo pessoal/O DIA/Reprodução)
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São Paulo, 20 de maio de 2020

Os tempos estão difíceis. Essa frase poderia ser um belo clichê, e é um pouco, mas não há outro meio. Ontem, eu escrevi aqui sobre rock n’roll. Não por estar alheia ao que me cercava, mas porque eu preciso de um escape. Porque eu precisava fugir para algum lugar.

Na manhã de ontem, após 17 horas sem notícias e de profundo desespero, a família Mattos Pinto recebeu a pior das notícias: o corpo de seu menino, João Pedro, estava no IML. Na segunda-feira, em mais uma operação que mais deixa vítimas do que combate algum crime, a polícia entrou atirando na casa da família Mattos Pinto, onde João Pedro e seus primos estavam. João Pedro Mattos Pinto foi atingido na barriga. Por um instante, seu amigo achou que ele estava apenas deitado para se proteger, mas logo percebeu o ferimento. Mas a violência não para por aí. Sem qualquer autorização, a polícia em um helicóptero.

Além do terror por saber que seu menino estava baleado, a família ainda passou mais horas e horas de profunda angústia e sofrimento. Já pensou se fosse seu filho? O pai e a tia de João Pedro estavam trabalhando no momento que ouviram os tiros e correram para casa. Mas foram impedidos de entrar na casa durante a permanência da polícia no local. Alguém pode me dizer como se invade a casa de pessoas sem mandado? E se fosse a sua casa? A vida de um adolescente, que estava brincando com amigos e primos, foi tirada. Até quando?

“Mataram um estudante! Poderia ser seu filho! ”. Há 52 anos, o jovem estudante secundarista, Edson Luís, era baleado por um tenente, durante uma operação policial no restaurante estudantil Calabouço. Os estudantes protestavam contra a má qualidade da comida. A ordem da polícia era para “quebrar tudo” e Edson Luís foi morto com tiro a queima roupa. Mais de 50 mil pessoas acompanharam o cortejo até o cemitério Botafogo. E a indignação se espalhou pelo país com uma série de protestos, culminando, em junho, na Passeata dos Cem mil. E o que fazemos hoje? Porque temos filmes de violência e abusos policiais com tamanho prestígio e altas audiências?

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João Pedro Mattos Pinto era um estudante e poderia ser seu filho. Como disse o jogador de futebol Yuri, da Ponte Preta: “vocês têm noção dessa covardia? ”. João Pedro não estava protestando, estava brincando. E mesmo se estivesse exercendo um direito democrático, vocês têm noção dessa covardia? Policiais não são treinados e preparados para enfrentar situações de estresse sem cometer assassinatos difíceis de explicar? Poderia ser seu filho. Poderia ser minha irmã.

Entre as diversas bandeiras e cartazes que os estudantes colocaram sobre o corpo de Edson Luís, um dizia “Esta é a justiça da ditadura. Pedimos comidas e eles atiram contra nós”. Ao pensar na ação da polícia no Complexo do Salgueiro, podemos transformar afirmação em interrogação: É essa a justiça? Matar adolescentes e crianças é a justiça e o combate ao “crime”? Poderia ser seu filho.

Nunca é ruim repetir: a cada 23 minutos um jovem negro, outros João Pedro são assassinados, vítimas de uma guerra que não é contra droga nenhuma, porque ninguém atira em maconha, em cocaína, em crack, mas em pessoas. Poderia ser seu filho. Uma guerra que é tão ineficiente que tem superlotado presídios, matado aos milhares e que, quando vamos ver os montantes apreendidos pela polícia, não passam de 40 gramas por pessoas, em 75% das prisões. Poderia ser seu filho. A polícia entrou em uma comunidade, invadiu uma casa, matou um menino e não prendeu o tal chefe do tráfico, desculpa para essa ação que de desastrada não tem nada. Poderia ser seu filho. Era só um estudante. Era só um menino.

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Eu estava sem palavras ontem. Eu precisava respirar. Eu precisava transformar raiva visceral em raiva eloquente. Eu precisava recobrar os sentidos. A indignação não diminuiu. Mas a raiva segue latente, como combustível, já dizia Audre Lorde e Brittney Cooper. Era só um menino.

Meus sentimentos e o afeto que tenho aos seus familiares. As palavras ainda são rarefeitas porque nada do que dissermos pode parar a dor. O que podemos fazer é não permitir que João Pedro seja mais um número nem que seja esquecido. Precisamos repetir esse nome todas as vezes. Por sua memória, como mantra de força para os seus.

O que aconteceu é inaceitável e não podemos permitir que siga acontecendo. 20 de maio de 2020, 52 anos depois… mataram um estudante. E o que a gente faz?

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