São Paulo, 01 de junho de 2020
Na última semana, descumpri minhas próprias metas e promessas nessa quarentena de tentar me afastar de notícias, livros e séries negativos, buscar na meditação um refúgio e tentar enfrentar tudo isso com certa positividade. Não deu. O mundo não deixou.
Bem que seria maravilhoso se minha vida fosse apenas ler e escrever sobre o que eu escolhesse, mas ainda não vivemos em um mundo no qual a leitura, e o incentivo a ela, bem como a escrita sejam suficientemente valorizadas. Mas, além do meu amor por isso, eu também amo o ativismo, tenho na luta por transformações um compromisso, algo que aprendi desde muito pequena, que foi incentivado em papos breves sobre isso com o meu bisavô. Então, alio meu ativismo, com a minha pesquisa acadêmica e com o meu trabalho. Ou seja, nunca é fácil. Ser ativista de direitos humanos, antirracista, feminista, discutindo as políticas criminais e o funcionamento do sistema de justiça criminal e prisional, articular a pesquisa acadêmica sobre isso e, ainda, trabalhar como coordenadora da área de violência em um projeto, faz com que o tema seja pesado todo tempo. Assim, a literatura acaba sendo o meu refúgio. Mas nem sempre dá para isso. E acaba que eu me vejo, na hora de entretenimento, assistindo algum documentário sobre crimes e sobre sistema de justiça.
Nessa semana, foi exatamente o que aconteceu. Diante de tantos acontecimentos como o avanço da pandemia, a precariedade das condições de atendimento público para pessoas pobres e negras e o avanço das ações violentas policiais em comunidades, eu não consegui respirar. Fui tragada para essa espiral e esse mundo de imersões pesadas. A releitura de Diálogos impossíveis do Veríssimo, o Luis Fernando, teve que esperar. Mas nem a leitura de A dona das chaves, de Julita Lemgruber, estava dando conta. Eu queria dormir a maior parte do tempo e ficar indignada na outra parte. Horas e horas acompanhando as manifestações nos Estados Unidos, as notícias desgraçadamente difíceis sobre o Brasil, a indignação diante do explicitamento descarado de um neonazi-raci-fascismo tupiniquim. As músicas ficaram pesadas e eu voltei a escutar rock industrial e heavy metal e eu acabei assistindo documentários pesados como o “DNA da Justiça”, sobre sentenças arbitrárias e baseadas em estigmas sociais e raciais sobre as pessoas nos Estados Unidos.
Daí, eu decidi fazer yoga e encontrei alguns vídeos no YouTube de “yoga para iniciantes”. Apesar de cabeça e corpo ainda não estarem em compasso, eu achei que estava reencontrando o rumo, a um passo da serenidade. Com o lançamento, decidi maratonar com minhas irmãs a série Keeping up with the Kardashians em algum serviço de streaming e rir um pouco das superficialidades de Kim, Kris, Khloe, Kourtney, Kendall, Kylie, Bruce (até então e, depois de sua compreensão como mulher trans, agora Caitlyn) e Rob. A coisa até fluia, mas era chegar o momento de ir para cama e a música pesada do System of a Down voltara para os fones.
Essa manhã, acordei com a certeza de que eu estava apresentando um quadro de melhora. Até que conversei com uma amiga que me perguntou como eu estava e perguntou quais eram as séries que indicava e me dei conta de que todas eram sobre distopias ou violência: The man in the high castle, baseada no romance de Philip K. Dick e dos produtores Ridley Scott e Franz Spotnitz, sobre uma distopia em que os aliados (Alemanha nazista e o Japão) ganharam a 2a Guerra Mundial e, em vez de Berlin, os Estados Unidos é que estão divididos pelas potências; e Hunters, produção do maravilhoso Jordan Peele e com o meu amor Al Pacino, sobre um time de caçadores de nazistas em busca por vingança sobre as atrocidades do holocausto.
Ao perceber as dicas, que também indico para você, só me restou o riso. Não estou nada livre e sigo imersa nessa realidade assombrosa. Mas a yoga começou hoje e eu ainda boto imensa fé nela. Calma aí, Veríssimo, eu ainda volto.