São Paulo, 01 de maio de 2020
Eu gosto de reivindicar a data de hoje como o dia daqueles que trabalham e não como uma exacerbação do trabalho em si. Pela história, essa data é comemorada internacionalmente a partir de uma greve de trabalhadores reivindicando o direito a uma jornada de 8h de trabalho por dia, em 1886.
Em nosso país, a data foi oficializada em 1924, na gestão do então presidente Artur Bernardes. E manifestações de operários já aconteciam no país desde o final do século 19. E como virou dia do Trabalho aqui? A partir de um decreto do presidente Getúlio Vargas, sendo também sob seu governo que foi sancionada a Consolidação das Leis Trabalhistas, em um 1o de maio de 1943. Segundo vários historiadores – trabalhadores que tiveram negado seu direito de profissão regulamentada pelo atual ocupante do Palácio do Planalto – a ideia de Vargas foi de, com isso, submeter os trabalhadores com normatização, como domínio sobre os que exerciam o trabalho. Em suma, um apagamento das origens deste dia, ligado às lutas dos trabalhadores por direitos.
E em um momento como esse, mais do que nunca, estamos envoltos em pensar sobre os nossos direitos. Quais os reflexos dessa pandemia sobre os nossos trabalhos, sobre os nossos direitos?
Já estamos imersos em reuniões virtuais que tomam todo o nosso dia, mas que demandam o tempo extra de prepará-las, de modificar a dinâmica da casa para atendê-las. Como será esse futuro, quando nossas casas já se tornaram os locais de trabalho? Quando iremos relaxar se tudo é ambiente de trabalho? O que acontece com o espaço, ainda, de refúgio que tínhamos? Como fica, em nossos salários, o uso de nossa luz, nossa água, nossa internet (já que muitos terão que investir em melhores conexões para exercer o home office), nossa comida (já que muitos empregadores cortaram os auxílios alimentação, com o argumento de que seus empregados estão trabalhando em casa)?
Há os que tentam ver a positividade do tal do home office. Eu não consigo vislumbrar isso. E digo isso com tranquilidade porque eu já exercia o home office antes da pandemia. Esse modelo demanda que organizemos nossa casa como um espaço de trabalho, que estejamos em casa e não estejamos, mas o que não faz as tarefas domésticas menores. Será 1h de almoço necessária para prepararmos a refeição, fazermos a refeição e voltarmos ao trabalho? Ou essa 1h a mais cotidiana será um momento extra-trabalho e isso não será contabilizado? Aos que optaram por pedir comida por aplicativos, já pensaram em como estão as condições de trabalho desses trabalhadores que entregam seu almoço? Já é possível verificar a imensa pressão sobre esses profissionais, bem como sobre caixas de supermercados, etc.
Empregadores, analistas e consultores da área de trabalho já tem dito que o home office, as dinâmicas de trabalho por videoconferência e reuniões virtuais permanecerão no pós-pandemia. E acho que é uma boa que pensemos nisso. E como ficará a vida do trabalhADOR e não do trabalho depois de tudo isso. Como estão nossas vidas durante tudo isso.
Mas, respira. Eu não quero que você fique mais ansioso, apesar de ser um pouco inevitável. Pensar sobre isso não precisa ser feito em uma pegada só, com você sem dormir justo hoje. Não, hoje, se rebele. Retome o domínio de sua casa. Retome a ideia da sua casa como um espaço de refúgio, de calma, de descanso.
Então, nesse 1o de Maio reinvente o que tentaram tirar de nós lá na primeira metade do século 20. Hoje é dia do trabalhador. Dia, portanto, em que você deve ficar de pernas para o ar. Em que você entra em algum desses aplicativos de streaming e assiste as séries que você está postergando para assistir há muito tempo. Hoje é dia em que você fica com sua família, em que você acalma sua mente para preservar sua saúde mental. Hoje é o dia em que você faz sua skincare, seu spa day. Não é um dia de ode ao trabalho. Não é um dia em que sua força de trabalho é mais importante do que você. O dia de hoje quer dizer outra coisa. Quer dizer um dia para que você relembre que você tem direitos, que você merece direitos, que você merece descanso. Se tudo se reinventa nesses tempos de quarentena, inclusive as formas de exploração do seu trabalho, de você, a gente também reinventa os modos de rebeldia. Os modos de dizer que nós, pessoas, é que devemos ser as prioridades. Faça de você a prioridade do dia de hoje.
Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:
01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”
02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener
03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa
06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?
07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia
08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia
09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos
10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!
11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19
12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos
13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!
14/04- E aí, quais são as lives da semana?
15/04 – Como praticar autocuidado radical?
16/04 – #TBT da saudade do mar
17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres
18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia
19/04 – Quem cuida de quem cuida?
22/04 – Dia da Terra e o futuro da humanidade
23/04 – Dia do Livro e a menina que amava livros
24/04 – O País está de ponta-cabeça
27/04 – Diário de uma “Cristinder”
28/04 – A saudade que o BBB vai deixar
29/04 – E daí? O que você vai fazer com esse desdém?
30/04 – O que você comeu hoje?
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva