São Paulo, 13 de julho de 2020
Uma das estratégias, mesmo que não intencionais, de perturbar qualquer debate que envolva a questão racial é de colocar opinião para rebater e debater conceitos que foram desenvolvidos com observação e método científico. Já conversamos aqui sobre a importância de sabermos diferenciar opinião de ciência. A opinião é válida, mas não pode ser um eixo estruturador de uma visão analítica da sociedade.
Não é cabível ou aceitável que nós queiramos sobrepor opinião sem sequer termos nos dado ao trabalho de ler, mesmo que superficialmente, sobre alguma discussão. De fato, como já disse aqui faz pouco tempo, todos temos lugar de fala. E isso implica uma série de responsabilidades se queremos fazer valer nossa perspectiva na arena política, do debate político. Para isso, é fundamental nos preparamos. Quando eu falo sobre isso, não significa dizer que precisemos ler e nos aprofundar sobre tudo. Mas, se não o fizemos, seja porque nossa área de atuação é outra, seja porque os temas que mais nos prendem e garantem nossa concentração são outros, nossa postura deve ser outra durante um diálogo e na esfera do debate. Assim, nossa posição muda de mais falante para mais ouvinte. Para quem escuta e absorve, para quem compreende que o interlocutor com o qual estamos em diálogo tem mais a oferecer em uma construção que nos fortalecerá juntos. Essa é uma premissa básica em um debate.
Há cerca de 3 anos, acessei, e não me lembro como, artigo de uma escritora inglesa chamada Reni Eddo-Lodge que tinha o título Por que não falo mais com pessoas brancas sobre raça. Um dos argumentos iniciais era o de que não perderia mais tempo com um número considerável de pessoas brancas que insistiam em negar o racismo estrutural e seus sintomas. Obviamente, que ela deixava claro que ainda se mantinha disposta a manter diálogo com quem estivesse disposto a isso e não apenas a um monólogo em que só uma posição, a de negação, fosse a que se considera correta. Superar a recusa é fundamental para que seja possível reconhecer privilégios e o sistema que classifica de modo hierárquico todos nós, impondo precariedades e falta de oportunidades para determinados grupos.
Outro ponto era da desconexão que pessoas brancas dispunham quando uma pessoa negra apresenta e articula suas experiências. Como se seus “ouvidos fossem bloqueados”. Novamente, não havendo disposição ao diálogo, mas apenas esperar que a pessoa negra deixe de falar para negar tudo o que ela acaba de dizer. E, assim, manter tudo como está.
Além de vários outros argumentos, um outro é importante: a completa exaustão ao qual pessoas negras são lançadas em debates nada profícuos. Pode ser imperceptível, pode ser sem a intenção, mas a postura de recusa e insistência no monólogo fingindo ser um diálogo nos satura mentalmente. Antigamente, eu não sabia muito bem lidar com isso e cheguei a colapsos profundos. E, a depender de como nos saturamos, se nossa resposta for agressiva, pronto, chega-se a tudo o que o falador do monólogo deseja: encaixar pessoas negras na imagem de controle da agressividade e do descontrole e, portanto, da violência. Quando, em nenhum momento, nossas experiências foram levadas em conta no processo. Mas, pior do que isso, quando apresentamos uma série de produções e formulações teóricas, e vou tornar a repetir: fruto de observação, análise e formulação científica.
E, assim, eu sugiro sempre a leitura. Não perco mais meu precioso tempo, muito menos minha saúde mental, se a pessoa quer expor opinião para assunto tão grave e sério como o racismo, quando eu estou expondo análise e formulação. Minha militância, minha sanidade e meus estudos merecem mais respeito. Esse é um entendimento muito importante quando defendemos que todos temos lugar de fala, de que precisamos compreender dimensões cruciais, se queremos transformações rumo a uma sociedade com equidade: reconhecimento, responsabilização, reparação e restauração. Sem isso, pouco caminharemos.
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