Todo ano a mesma coisa, maio vem chegando e os anúncios do Dia das Mães despontam por todos os lados. “Ai que legal, um dia só para as mães!” Já está tudo planejado: vamos acordar, receber café na cama, ter almoço pronto, casa arrumada, crias banhadas, sair para passear sem nenhuma preocupação, lanchar e jantar na rua, chegar em casa para tomar um banho demorado, as crianças já estarão dormindo e leremos um livro em paz. Idílico, não?
O cenário descrito pode ter variações familiares, mas tem um detalhe comum: somos nós, as próprias mães, que organizamos esse e todos os outros dias, correndo o risco de comermos pão queimado e ovo sem sal e termos que sorrir porque “pelo menos tentaram”. Infinitas vezes os relatos maternos são de uma intensa preparação nossa para que tenhamos o tão esperado “dia de descanso”. Separamos as roupas, a comida, o itinerário, os presentes e deixamos bilhetes pela casa explicando como tudo funciona para que o nosso dia seja “especial”. Em outras palavras, a responsabilidade dos cuidados familiares e domésticos não cessa nem quando o dia é das mães.
A despeito de todo apelo comercial de sua criação, esta é uma comemoração linda, pois estamos conectadas em celebrar a importância das maternidades. Vibramos essa energia de amor em uma sintonia bem fina.
A questão é que devemos aproveitar esse dia para repensar como estamos sobrecarregando mental e afetivamente a nós mesmas e todas as mães com os preparativos que recaem sob seus cuidados. “Ah, mas a minha mãe gosta de preparar as coisas do jeito dela!” A armadilha está na resposta da seguinte pergunta: “Ela teve alguma escolha quando era mais nova?” Historicamente, as mulheres quase nunca tiveram escolhas verdadeiras, portanto, muitas vezes, esse gostar foi ensinado por não ter uma outra opção de vivenciar a experiência das festividades.
Por exemplo, minha mãe sempre foi uma mulher que, em setembro, já estava falando da ceia de Natal. Minhas irmãs e eu poderíamos dizer essa mesma frase, de que ela “escolheu e gosta” de preparar as coisas e continuar a deixar todo o trabalho em cima dela. Mas, há alguns anos, decidimos “amaternar” mamãe e dividir entre todas a organização. O resultado disso é uma comemoração em que nos multiplicamos. Agora, a festa é de todas nós!
Dessa forma, vejo que podemos aprender a criar novas soluções mais equitativas e justas em sociedade. As grandes atitudes revolucionam a humanidade, mas as pequenas mudanças cotidianas são as verdadeiras impulsionadoras de novos caminhos. A trilha de mundo que essa coluna traz é o “amaternar” da vida, que se constrói dinamicamente no fazer de todo dia e que, para cada lugar, precisará de ajustes próprios às condições e pessoas envolvidas. A única constante desse fazer/agir será o fluxo de amar, que é um verbo e, portanto, uma ação de afetos comunitários em uma teia na qual todas as pessoas contribuem.
Esse cuidar amoroso com as mães no mês de maio pode e deve se estender pelo resto do ano. Mesmo se você não é mãe, a ideia de deixar todo o trabalho para outra mulher realizar não pode mais ser admissível socialmente. Inclusive, é possível descobrir coletivamente o prazer de organizar uma festividade e de entender que precisamos dividir as tarefas para que todas as pessoas ao nosso redor vivam de maneira mais leve e feliz.
Ir para a cozinha tem que ser uma escolha verdadeira e nunca mais uma armadilha para as mulheres e mães. As reflexões que precisamos realizar coletivamente são: queremos manter hábitos e tradições que adoecem tantas mulheres que amamos? Podemos ser melhores como sociedade?
Vamos conversar?